
Quando os meninos e meninas
fogem ao padrão esperado,
há um choque,
um estranhamento geral.
Afinal, será que esse padrão ainda existe?
A respeito desse assunto, em 1985, a então psicóloga e sexóloga Marta Suplicy, já escrevia “Não se nasce Mariazinha. É necessário uma educação esmerada, muito puxão de orelha, reprimendas e elogios, e uma boa dose de imitação à figura da mãe, acompanhada de admiração pelo pai, para se produzir uma Mariazinha.” (1)
Dizia ela em seu livro que o delicado e submisso papel que as meninas aprendem, desde pequenas, fica ‘arraigado no mais profundo do seu ser’.
Parodiando a autora, também em relação à educação dos meninos, poderíamos afirmar que não se nasce Joãozinho. Muitas de nossas ações, mesmo de forma inconsciente, apontam para uma educação “masculina”, em que o choro é proibido, as brincadeiras com bonecas são vistas com desconfiança e qualquer manifestação mais sensível é literalmente eliminada por alguns pais e avós.
Eternos estereótipos
Na realidade, se é verdade que há questões físicas que diferenciam meninas de meninos, também parece ser real que existe todo um comportamento, regido por regras sociais, perpetuadas por muitos e muitos séculos, que têm determinado alguns parâmetros para a criação dos filhos. Um menino é sempre direcionado para a autonomia. Quem já não ouviu a famosa frase, diante de uma briga entre garotos na escola: Você já é um homem, tem que começar a resolver seus problemas sozinho! Pois saiba que, ao analisarmos os comportamentos de meninas e meninos, percebe-se nitidamente que os garotos possuem uma forma de lidar com as brigas de maneira independente e autônoma. Já as garotas parecem sempre necessitar de um adulto que seja intermediário nas crises. Isso é incrível, se levarmos em conta que meninas amadurecem mais rapidamente.
Sim, estamos falando de estereótipos, criados e sedimentados ao longo de muitos e muitos anos. Aqueles modelos que dizem que as meninas são mais delicadas, sensíveis, afeitas às tarefas domésticas. Dizem também que os meninos são os que resolvem tudo na briga, devem sempre gostar de esportes, principalmente o futebol e que possuem, desde cedo, um apelo sexual maior do que as garotas.Tais estereótipos são os responsáveis pela vestimenta, pela escolha dos brinquedos, dos cursos que devem freqüentar, enfim, parece estar tudo bem “classificadinho”, no sentido de se permitir e incentivar alguns procedimentos aos garotos e outros às meninas.
A quebra de paradigmas
Nesse início do século XXI, pode-se afirmar que, a cada dia, esses antigos modelos têm sido desafiados. Convivemos com o antigo e o novo ao mesmo tempo. Talvez, por isso, escola e família estejam tão atordoadas em relação a esse assunto. Se, na cabeça de alguns pais, esse ainda é o modelo, a moçada parece estar agindo diferente e um novo padrão começa a surgir. Expressões e atitudes, antes só permitidas a meninos, começam a ser verificadas nas garotas e vice-versa. Menino chora? Chora sim! Garota vai ao jogo de futebol? Fala palavrão na arquibancada? Sem sombra de dúvida!
Evidentemente esse é o reflexo de uma sociedade que começou a ser alterada há algumas décadas, quando a mulher jogou-se no mercado de trabalho e os homens começaram a desempenhar algumas funções, antes só pertencentes às mulheres. Paralelamente, descobertas científicas recentes vieram questionar essa distinção rígida e tradicional entre o homem e a mulher. Os estudos contemporâneos apontam um leque surpreendentemente variado de comportamentos de homens e mulheres em nosso mundo. Hoje há um olhar e uma aceitação do “feminino” nos homens e do “masculino” nas mulheres. São novos padrões de atuação que desafiam os tradicionais e que, parecem, vieram para ficar.
Não é fácil lidar com essa questão no dia-a-dia. Como vivemos numa fase de transição, várias vezes nos surpreendemos, usando expressões como: Que modos são esses! Você está parecendo um menino! ou até mesmo: Deixe de ser fresco! Pare de reclamar tanto e chorar! Está parecendo sua irmã! Também é normal que aceitemos mais facilmente o palavrão na boca de um menino e a boneca nas mãos da garota. Mas esses são procedimentos que os pais precisam começar a rever. Aos poucos. Começar a aceitar a sensibilidade vinda do garoto, por exemplo, é fundamental na formação de sua personalidade. Ao mesmo tempo, auxiliar a menina a ser mais autônoma, relacionar-se melhor com suas necessidades e lutar pelos seus direitos, também.
Aceitação, cooperação e respeito entre os sexos
Se a quebra dos estereótipos pode assustar as famílias, por ser algo novo, ela também aponta caminhos bem interessantes, se os pais souberem aproveitar. Sabe por quê? Porque, bem canalizada, essa nova visão irá auxiliar famílias e escolas a formar crianças e adolescentes menos preconceituosos, mais cooperativos e respeitosos entre si. Família e escola são as instituições nas quais se deposita a semente que, posteriormente, irá germinar. Nesse sentido, é aí que se deve atuar desde cedo, para que os jovens saiam para o mundo mais despojados de antigos preconceitos e mais preparados para interagir com o sexo oposto, de forma produtiva, em sintonia e cooperação.
No mundo de amanhã não deverá haver lugar para a briga entre os sexos. Essa é uma discussão que pertence ao passado. No mundo que virá espera-se que eles se percebam, se compreendam, se aceitem e se respeitem. Para isso, precisam enxergar e administrar em si próprios os componentes femininos e masculinos, independentemente do sexo a que pertençam.
Simone de Beauvoir, há quase cinco décadas atrás, disse: Não se nasce mulher; torna-se mulher. O mesmo diremos dos garotos, não é mesmo? Não se nasce homem, torna-se homem. E para que isso ocorra de forma saudável, o olhar, a sensibilidade e a atuação da família são imprescindíveis.
(1) Marta Suplicy, De Mariazinha a Maria, Petrópolis, Editora Vozes, 1985.
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