segunda-feira, julho 31, 2006

Escola atual: conteúdo na cabeça ou aprender a pensar?

Por Norma Leite Aquilino



Segundo semestre. Época de intensa divulgação de escolas - impressos, cartazes, encartes de revistas. Aparentemente parece haver um amplo leque de opções.
Há expressões como “educação para o século XXI”, “prepare seu filho para o novo milênio” ou ainda “ensino de qualidade, com a mais avançada tecnologia”. Aquelas coisas que só Deus sabe o que realmente querem dizer...


Os anúncios parecem nivelar todas as escolas. Discurso comum. Propaganda que parece não diferenciar umas das outras. Ao mesmo tempo, os pais, com freqüência, vêem-se diante de inúmeras dúvidas. Uma delas, com certeza, refere-se ao que levar em conta quando se fala de ensino. O que vale mais: a escola dos conteúdos, cuja meta principal é o ensino de conceitos, com uma pesada carga de informação ou aquela que privilegia o pensar, o refletir do aluno?

Essa é mesmo uma questão peculiar. E sabe por quê? Porque as famílias demonstram incoerências e mudam sua postura ao longo dos anos. Quando as crianças são pequenas, os pais se encantam com propostas de ensino que fazem com que o filho se expresse, busque respostas, questione. A medida que o tempo passa, começa surgir uma espécie de desconforto... onde estará o conteúdo? Tudo parece ser feito de forma mais lenta e diferente do que no passado. Será que essa escola preparará meu filho para o vestibular? A informação é tão importante... Comparam a programação com a de outras escolas e, com freqüência, surge a frase: o colégio era ótimo quando meu filho era pequeno, mas agora, não atende às necessidades. É uma escola fraca para essa faixa etária..
Ah, a eterna história...escola forte, escola fraca...

Pensar no futuro é refletir sobre o presente

Bem, não é o caso de realizar análises sobre escolas. O cerne da questão parece residir em algo maior que merece uma parada para reflexão: o que significa preparar bem uma criança ou adolescente para o mundo que virá. O que é prioritário? Para responder a isso, não é necessário nenhum exercício de futurologia. Não há mágica. Simplesmente leve em conta o mundo de hoje, com suas velozes e profundas transformações. O que ele tem exigido de todos. Pessoal e profissionalmente. Educação é um processo gradativo. A longo prazo. O que for plantado, desde cedo, germinará posteriormente. Por isso, é importante que haja uma certa coerência, ao longo dos anos, quanto a aspectos básicos.

Algumas palavras de ordem

Comecemos com algo que parece bem distante, mas que, com relativa freqüência, aparece como preocupação das famílias: o mercado de trabalho. Quando observamos o que é veiculado nos anúncios, na procura por bons profissionais, há algumas expressões recorrentes, indicadoras do que se espera: autonomia, flexibilidade, rapidez na busca de soluções, criatividade, dinamismo, iniciativa, espírito de liderança, trabalho em equipe, disponibilidade para aprender sempre, experiência prática na área de atuação, persistência, visão geral de outras áreas, fluência em idiomas, conhecimento tecnológico, entre outras tantas. Ufa! São palavras que delineiam um profissional quase perfeito. A disputa é acirrada e os pais, a partir de uma determinada fase da vida de seus filhos, começam a se preocupar com o futuro. A escola, embora seja o momento inicial desse percurso, representa a base do que virá posteriormente. E aí? O que esperar dela?

Como fica o conhecimento

Interessante observar que a maioria dessas expressões não remete ao conhecimento acadêmico, formal, em que o volume de conteúdo seja o ponto de referência. Mesmo porque, mais importante do que a informação propriamente dita é saber que o profissional tem condições, de maneira eficaz, de chegar a ela. Não há como dar conta de conteúdo produzido e atualizado tão velozmente. Tal fato também não ocorria no passado e não seria agora, diante de uma carga tão pesada, que isso seria pré-requisito. Esse parece ser um ponto importante quando pensamos na educação atual. A escola deveria ser o espaço para desenvolver habilidades de pesquisa, que abrangem o onde e o como buscar, a leitura crítica e eficiente, selecionando dados, a capacidade de estabelecer relações, comparações, deduções. Isso tudo poderia ser definido como: habilidades que tornam seu filho autônomo na busca pelo conhecimento.

A capacidade de encontrar soluções

Continuando nas palavras de ordem, observam-se algumas características que se completam: ser flexível, rápido, criativo, dinâmico, transitar por áreas diversas. As mudanças ocorrem num ritmo veloz e exigem dos novos profissionais posturas que atendam às transformações. Esses são aspectos que, para serem desenvolvidos, precisam de uma estrutura escolar que propicie espaço para propostas e atividades diferenciadas do simples aprendizado acadêmico. Pessoas com esses pré-requisitos, em geral, precisam ter experiências multidisciplinares, refletir criticamente sobre os conteúdos, aprender a solucionar problemas e, principalmente, acreditar que são agentes principais no processo. Traduzindo: a escola deve possibilitar que crianças e jovens reflitam sobre sua realidade, façam perguntas, busquem respostas e proponham alternativas de ação. Viver é desatar nós, portanto, teoria e prática não podem se desvincular e necessitam estar voltados para o real.

A importância de cada um

Mas há qualificações que chamam a atenção, hoje, no mundo profissional. Talvez por nunca terem sido tão valorizadas. Muitas vezes, vêm em primeiro plano na análise de um perfil. Expressões como trabalho em equipe, liderança, bom relacionamento estão na boca de todos. E não é para menos. De nada adianta ter conhecimento se não se sabe conviver, partilhar, crescer junto com o outro de forma salutar. E conviver com o outro é algo complexo e desafiante. Significa lidar com a diversidade, ter jogo de cintura, perceber momentos e situações oportunas, saber ouvir, calar e a hora certa de se posicionar.

Esse é um longo percurso a ser realizado pelas escolas. Difícil. Numa sociedade que privilegia o individualismo, a inversão de valores e a massificação, a tarefa de perceber as especificidades do outro e - com a diferença - somar e crescer, parece ser um sonho distante. Mas esteja certo: essa é uma meta fundamental para que haja transformação do mundo em que você vive e que possui tantas distorções e desigualdades. Por isso, quando se fala em escola de boa qualidade e com visão de futuro, leva-se em conta o quanto ela auxilia crianças e adolescentes a se relacionar, em que medida faz com percebam sua importância no crescimento do outro e vice-versa. Fala-se, também, de uma escola que tenha um braço em ações sociais, possibilitando que seus alunos se engajem em projetos e percebam a importância da sua contribuição.

Informação ou formação

Diante do quadro atual, em que as diferentes sociedades parecem pedir por sujeitos pensantes, críticos, atuantes em diversos setores, comprometidos social e politicamente, nada mais ilusório do que a crença numa escola que privilegia o conteúdo do ponto de vista do volume de informações. Provocar mudanças no sistema vigente é papel de quem foi acostumado a pensar, a refletir com consistência, a questionar. As informações são importantes? Sem dúvida. Isso é inquestionável. Mas hoje são encontradas em profusão, até mesmo dentro de sua casa, nos computadores, o que não garante que se saiba o que fazer com elas.

Por isso, antes de esperar ou exigir o conhecimento específico, nas mais diferentes áreas, reflita sobre a maneira como a escola o desenvolve. O segredo parece estar no modo como lidam com o aprendizado, nas possibilidades diferenciadas que apresentam aos alunos, na abordagem de inúmeras formas de expressão, na valorização do potencial de cada um e, principalmente, nas oportunidades que oferecem para o desenvolvimento do espírito crítico. Disso resultará um trabalho consistente, antenado com o presente e com as preocupações do futuro.

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