sexta-feira, julho 07, 2006

Governo da vaga lembrança


Carta Aberta ao senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Por Noma leite Aquilino

Eu sou uma professora. Uma simples educadora que acredita que seu papel é mais do que ensinar fórmulas ou teorias gramaticais. Por isso procuro compreender fatos para também orientar meus alunos nos caminhos da compreensão dos acontecimentos. Meu trabalho é feito mais de perguntas do que de respostas.

Pois bem, nos últimos meses, creio que o povo brasileiro tem se encontrado aturdido, diante de inúmeras questões não ou mal respondidas. Em vão ele tenta ler e ouvir tudo o que é possível, atordoadamente busca relacionar fatos, tirar conclusões, enfim, procura não cometer injustiças em seu julgamento, embora, diante de tantas novidades diárias, fique difícil tal isenção. Insana tarefa. Hercúleo trabalho para aqueles que imaginavam que os problemas trazidos à baila fizessem parte de um outro contexto histórico, em que coronéis dominavam a cena política e os políticos eram forjados nessa mentalidade do poder a qualquer preço.

No entanto, por mais que as questões atuais sejam complexas e exijam longo tempo de investigação, há uma pergunta, apenas uma que parece não querer calar, recusa-se a esperar por uma resposta a longo prazo - talvez porque tenhamos sido por demais sonhadores, talvez porque muitos continuem a resistir bravamente a abandonar o barco.

A interrogação que a muitos inquieta parece ser: se Vossa Excelência pertence a um partido que tem como bandeira não somente a ética, mas a discussão coletiva e as resoluções conjuntas, como, nos momentos de crise, todos, absolutamente todos os seus integrantes de maior expressão insistem em propagar aos quatro ventos que nada sabiam? Que tudo foi urdido por traidores - figuras patéticas em cujos ombros foram depositadas as culpas?

Olhar e ouvir, meses atrás, o Sr. Delúbio Soares ou mesmo o Sr. Silvio Pereira foi algo deprimente. Limitação no falar, na articulação de pensamento, omissões voluntárias, mentiras imperdoáveis. Assistir a um depoimento do Sr. Marcos Valério – sapo de fora que nada tem a ver com a história do partido – foi brutal. Pessoas que tropeçam no vocabulário, na morfologia e na sintaxe tanto quanto tropeçaram na sujeira em que se envolveram.Querem os governantes desse país dizer que o partido foi entregue a eles, sem a menor cobrança e critério? A essas degradantes figuras? Ombros largos, muito largos têm esses senhores...

Ver o Sr. José Dirceu a tudo desmentir com rosto impassível, olhar perdido no vazio, gestos contidos ou treinados, foi estarrecedor. Tentou-se manter a dignidade por meio da negação ou da omissão. O pior de tudo, no entanto, assistimos logo a seguir, em seu pronunciamento inicial, diante das acusações: Vossa Excelência estava diante do inesperado porque simplesmente fora traído. O PT devia pedir desculpas por um comportamento que parecia nada ter a ver com o senhor, principal representante da entidade. Demonstrou indignação porque tudo desconhecia. Com essa fala, simplesmente abandonou o partido que gerou e no qual foi gerado. O partido que não somente lhe deu sustentação política, mas, também, financeira, a própria sobrevivência. O partido que lhe deu a cara, a voz, os gestos. O partido que o fez presidente, após tantas batalhas.

Sr. Presidente, eu não busco ensinar a meus alunos a perfeição porque no árduo caminho percorrido pelo homem ela é uma ilusão, algo que faz parte do ideal e jamais será alcançada. Sabemos que o erro faz parte do crescimento. Mas sempre espero poder dizer-lhes que nosso dever é assumir nossos atos, sejam eles quais forem, ainda que sejamos severamente punidos pela inconseqüência cometida. Só assim resgataremos nossos princípios e sairemos mais fortalecidos de qualquer crise. Somente dessa forma poderemos readquirir a fé em nós depositada e a possibilidade de olhar no espelho com dignidade.

No momento histórico vivido, meses atrás, convenientemente Vossa Excelência esqueceu-se de que o princípio maior do PT, sua grande marca, sempre foi a discussão interna, com decisões coletivas – eixos norteadores da construção da cidadania. Nesse momento esquecer-se desses quesitos foi fundamental, não é verdade? Só assim Vossa Excelência poderia eximir-se, salvar-se isoladamente, escudando-se na falsa ignorância. Nada em sua atitude parece aludir à responsabilidade individual, nada remete ao assumir corajoso que enobrece e dá exemplo. Aquele em que crianças e jovens espelham-se.
Hoje, alia-se ao PMDB. Busca trocar cargos de estatais por apoio político indispensável à sua candidatura. Uma vez mais, vale qualquer coisa pelo poder. Vê-lo ao lado de uma figura como Orestes Quércia é algo indescritível. Incompatível com o partido que o senhor representa. Ouvi-lo dizer aos quatro ventos como é "fácil governar para os pobres" - que não reclamam - também é espantoso.

Eu sou simplesmente uma educadora. Não compreendo mesmo nada de política e das formas de sobrevivência nesse mar em que o senhor busca salvar-se, debatendo-se em meio aos tubarões. Mas, seguramente, sei que não é esse o jogo que desejo ensinar a meus alunos. Não espero deles que abandonem seu grupo, desvencilhem-se do ônus de suas faltas e proclamem-se traídos, quando apanhados em qualquer deslize ético. Eu sou somente uma educadora. E talvez, por isso mesmo, eu espere daqueles a quem cabe dar o exemplo, algo maior. Algo que os diferencie como líderes da grande massa.

A propósito: quem mesmo foi traído nesse episódio? Vossa Excelência, o partido ou a sociedade?

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