segunda-feira, julho 31, 2006

Escola atual: conteúdo na cabeça ou aprender a pensar?

Por Norma Leite Aquilino



Segundo semestre. Época de intensa divulgação de escolas - impressos, cartazes, encartes de revistas. Aparentemente parece haver um amplo leque de opções.
Há expressões como “educação para o século XXI”, “prepare seu filho para o novo milênio” ou ainda “ensino de qualidade, com a mais avançada tecnologia”. Aquelas coisas que só Deus sabe o que realmente querem dizer...


Os anúncios parecem nivelar todas as escolas. Discurso comum. Propaganda que parece não diferenciar umas das outras. Ao mesmo tempo, os pais, com freqüência, vêem-se diante de inúmeras dúvidas. Uma delas, com certeza, refere-se ao que levar em conta quando se fala de ensino. O que vale mais: a escola dos conteúdos, cuja meta principal é o ensino de conceitos, com uma pesada carga de informação ou aquela que privilegia o pensar, o refletir do aluno?

Essa é mesmo uma questão peculiar. E sabe por quê? Porque as famílias demonstram incoerências e mudam sua postura ao longo dos anos. Quando as crianças são pequenas, os pais se encantam com propostas de ensino que fazem com que o filho se expresse, busque respostas, questione. A medida que o tempo passa, começa surgir uma espécie de desconforto... onde estará o conteúdo? Tudo parece ser feito de forma mais lenta e diferente do que no passado. Será que essa escola preparará meu filho para o vestibular? A informação é tão importante... Comparam a programação com a de outras escolas e, com freqüência, surge a frase: o colégio era ótimo quando meu filho era pequeno, mas agora, não atende às necessidades. É uma escola fraca para essa faixa etária..
Ah, a eterna história...escola forte, escola fraca...

Pensar no futuro é refletir sobre o presente

Bem, não é o caso de realizar análises sobre escolas. O cerne da questão parece residir em algo maior que merece uma parada para reflexão: o que significa preparar bem uma criança ou adolescente para o mundo que virá. O que é prioritário? Para responder a isso, não é necessário nenhum exercício de futurologia. Não há mágica. Simplesmente leve em conta o mundo de hoje, com suas velozes e profundas transformações. O que ele tem exigido de todos. Pessoal e profissionalmente. Educação é um processo gradativo. A longo prazo. O que for plantado, desde cedo, germinará posteriormente. Por isso, é importante que haja uma certa coerência, ao longo dos anos, quanto a aspectos básicos.

Algumas palavras de ordem

Comecemos com algo que parece bem distante, mas que, com relativa freqüência, aparece como preocupação das famílias: o mercado de trabalho. Quando observamos o que é veiculado nos anúncios, na procura por bons profissionais, há algumas expressões recorrentes, indicadoras do que se espera: autonomia, flexibilidade, rapidez na busca de soluções, criatividade, dinamismo, iniciativa, espírito de liderança, trabalho em equipe, disponibilidade para aprender sempre, experiência prática na área de atuação, persistência, visão geral de outras áreas, fluência em idiomas, conhecimento tecnológico, entre outras tantas. Ufa! São palavras que delineiam um profissional quase perfeito. A disputa é acirrada e os pais, a partir de uma determinada fase da vida de seus filhos, começam a se preocupar com o futuro. A escola, embora seja o momento inicial desse percurso, representa a base do que virá posteriormente. E aí? O que esperar dela?

Como fica o conhecimento

Interessante observar que a maioria dessas expressões não remete ao conhecimento acadêmico, formal, em que o volume de conteúdo seja o ponto de referência. Mesmo porque, mais importante do que a informação propriamente dita é saber que o profissional tem condições, de maneira eficaz, de chegar a ela. Não há como dar conta de conteúdo produzido e atualizado tão velozmente. Tal fato também não ocorria no passado e não seria agora, diante de uma carga tão pesada, que isso seria pré-requisito. Esse parece ser um ponto importante quando pensamos na educação atual. A escola deveria ser o espaço para desenvolver habilidades de pesquisa, que abrangem o onde e o como buscar, a leitura crítica e eficiente, selecionando dados, a capacidade de estabelecer relações, comparações, deduções. Isso tudo poderia ser definido como: habilidades que tornam seu filho autônomo na busca pelo conhecimento.

A capacidade de encontrar soluções

Continuando nas palavras de ordem, observam-se algumas características que se completam: ser flexível, rápido, criativo, dinâmico, transitar por áreas diversas. As mudanças ocorrem num ritmo veloz e exigem dos novos profissionais posturas que atendam às transformações. Esses são aspectos que, para serem desenvolvidos, precisam de uma estrutura escolar que propicie espaço para propostas e atividades diferenciadas do simples aprendizado acadêmico. Pessoas com esses pré-requisitos, em geral, precisam ter experiências multidisciplinares, refletir criticamente sobre os conteúdos, aprender a solucionar problemas e, principalmente, acreditar que são agentes principais no processo. Traduzindo: a escola deve possibilitar que crianças e jovens reflitam sobre sua realidade, façam perguntas, busquem respostas e proponham alternativas de ação. Viver é desatar nós, portanto, teoria e prática não podem se desvincular e necessitam estar voltados para o real.

A importância de cada um

Mas há qualificações que chamam a atenção, hoje, no mundo profissional. Talvez por nunca terem sido tão valorizadas. Muitas vezes, vêm em primeiro plano na análise de um perfil. Expressões como trabalho em equipe, liderança, bom relacionamento estão na boca de todos. E não é para menos. De nada adianta ter conhecimento se não se sabe conviver, partilhar, crescer junto com o outro de forma salutar. E conviver com o outro é algo complexo e desafiante. Significa lidar com a diversidade, ter jogo de cintura, perceber momentos e situações oportunas, saber ouvir, calar e a hora certa de se posicionar.

Esse é um longo percurso a ser realizado pelas escolas. Difícil. Numa sociedade que privilegia o individualismo, a inversão de valores e a massificação, a tarefa de perceber as especificidades do outro e - com a diferença - somar e crescer, parece ser um sonho distante. Mas esteja certo: essa é uma meta fundamental para que haja transformação do mundo em que você vive e que possui tantas distorções e desigualdades. Por isso, quando se fala em escola de boa qualidade e com visão de futuro, leva-se em conta o quanto ela auxilia crianças e adolescentes a se relacionar, em que medida faz com percebam sua importância no crescimento do outro e vice-versa. Fala-se, também, de uma escola que tenha um braço em ações sociais, possibilitando que seus alunos se engajem em projetos e percebam a importância da sua contribuição.

Informação ou formação

Diante do quadro atual, em que as diferentes sociedades parecem pedir por sujeitos pensantes, críticos, atuantes em diversos setores, comprometidos social e politicamente, nada mais ilusório do que a crença numa escola que privilegia o conteúdo do ponto de vista do volume de informações. Provocar mudanças no sistema vigente é papel de quem foi acostumado a pensar, a refletir com consistência, a questionar. As informações são importantes? Sem dúvida. Isso é inquestionável. Mas hoje são encontradas em profusão, até mesmo dentro de sua casa, nos computadores, o que não garante que se saiba o que fazer com elas.

Por isso, antes de esperar ou exigir o conhecimento específico, nas mais diferentes áreas, reflita sobre a maneira como a escola o desenvolve. O segredo parece estar no modo como lidam com o aprendizado, nas possibilidades diferenciadas que apresentam aos alunos, na abordagem de inúmeras formas de expressão, na valorização do potencial de cada um e, principalmente, nas oportunidades que oferecem para o desenvolvimento do espírito crítico. Disso resultará um trabalho consistente, antenado com o presente e com as preocupações do futuro.

sábado, julho 29, 2006

Grande Drummond...


O problema não é inventar.
É ser inventado, hora após hora,
e nunca ficar pronta a nossa edição convincente.
Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, julho 28, 2006

Trabalhar: o desafio de soltar elos e alçar vôos

Por Norma Leite Aquilino

O mundo moderno exige dos filhos preparo e amadurecimento para enfrentar a competitividade do mercado de trabalho. Por isso mesmo, capacitar-se não somente com o curso universitário, mas com especializações posteriores faz parte dessa nova realidade. Como inserir a atividade profissional diante de tantos pré-requisitos?

A afirmativa parece ser verdadeira, diante do que se vê e do que é lido em revistas e jornais. O preparo para o mundo profissional não tem mais fim. A idéia de que não há mais um tempo certo, limitado para essa formação parece já estar incorporada a todos. Algumas famílias se programam financeiramente, ao longo de muitos anos, a fim de dar subsídios para que seus filhos possam realizar cursos de extensão, até mesmo no exterior.

O que surpreende não é essa nova concepção, mas a visão, por parte de alguns pais, de que o ingresso no mercado de trabalho dependa de uma formação mais ampla e acadêmica. Como se houvesse um tempo de preparo e outro para o início da atividade profissional. É uma idéia que dissocia os dois mundos, como se eles não pudessem coexistir, não se completassem. Com isso, o período de adolescência é ampliado, a dependência se estende.

Será errado?

Não, tentar proporcionar o que acreditamos ser o melhor nunca é errado. Em princípio parece difícil imaginar as duas realidades, com tantas exigências. Os pais, ao tentarem vislumbrar possibilidades e enxergar caminhos com sua experiência de vida, buscam cumprir seu papel. No entanto, seria interessante que refletissem sobre algumas perguntas: tentam apoiar, discutir possibilidades, ouvir as inquietações ou encaminhar, a seu modo, os rumos de seus filhos? O ensino acadêmico e formal abre portas, mas será ele o maior responsável pelo futuro profissional? Ajudam efetivamente seus filhos quando estendem sua adolescência com o intuito de que se preparem para o que virá? O que acontecerá com um aluno inexperiente, saído da universidade, ao se defrontar com uma realidade em que a prática conta pontos?

Teoria e prática

Por melhor que seja a escola ou universidade que seu filho freqüente, não se engane. O ensino formal ainda está longe de proporcionar a seus alunos, de forma satisfatória, a experiência prática do ofício escolhido. Vemos, com freqüência, decepções em relação às propostas educacionais. Como se muitas estivessem desvinculadas da realidade: aulas muito teóricas, laboratórios que não dão conta do recado, tecnologia aquém do esperado e, acredite, um número expressivo de professores mal preparados.

Não por acaso observa-se hoje uma quantidade significativa de universitários ingressando, já no primeiro ano de faculdade, no mercado de trabalho em busca de estágios. Muitos buscam a ajuda financeira, mas a grande maioria sabe que a experiência profissional concomitante ao curso universitário é pré-requisito. Aprende-se a fazer fazendo. E isso parece vinculado ao mundo do trabalho.

O valor do dinheiro

Freqüentemente os pais se queixam das facilidades dos jovens no que se refere à obtenção de bens de consumo. Lutam arduamente para mostrar-lhes que as coisas são difíceis, fazem longos discursos, dão broncas, irritam-se diante do desperdício. Bem, nada mais eficaz do que a ação. Nesse caso, ela significa trabalho. Isso mesmo. Quando um jovem começa a ganhar seu dinheiro, de forma produtiva, ele passa a ver o mundo de um outro jeito. Tem uma outra dimensão do valor de cada objeto adquirido, porque sabe o quanto lhe custa ganhar. Esse é um caminho bonito a ser observado pelos pais. Normalmente se surpreendem. Esquecem-se do próprio percurso e de que vivenciar vale mais do que mil palavras de orientação.

Aqui vale lembrar: a preocupação referente ao valor dado ao dinheiro pelos jovens deveria independer da condição financeira da família. Educar um filho significa mostrar-lhe, ainda que haja abundância de recursos familiares, que nada no mundo nos é oferecido de graça e sem esforço. É o que lhe fornecerá a base para valorizar o que possui e para administrar eventuais dificuldades e reviravoltas que o mundo possa dar. E você há de reconhecer, conviver com o instável é uma necessidade da vida moderna. Ajude-o a preparar-se para possíveis momentos de desequilíbrio e contenção.

O delicado e desafiante mundo das relações

Não bastassem as implicações financeiras, a realidade profissional possibilita algo que nenhuma instituição de ensino ou família conseguirá suprir: o universo das relações de trabalho, dentro de um mercado competitivo e seletivo. É um aprendizado que começa nos aspectos práticos e aparentemente bobos, como selecionar roupas adequadas, pensar em sua aparência física com cuidados especiais, programar sua agenda pessoal, saber portar-se numa entrevista ou reunião, mas que vai tomando força com todos os desdobramentos posteriores - a preocupação com horários, a disciplina, o aprendizado de calar e falar nas horas certas, a delicada tarefa de lidar com pessoas de natureza diversa, o desafio de cumprir metas, individualmente e em equipe. Significa, mais do que tudo isso, ver-se diante de situações inusitadas e que exigirão escolha. Algumas, até, de natureza pessoal e ética.

Difícil? Ele parece ser muito novo para tudo isso?

Você é que pensa. Os pais, invariavelmente, procuram poupar seus filhos. Claro, argumentam que trabalhar e estudar ao mesmo tempo pode representar uma carga muito pesada. Ninguém afirma o contrário. Exige disponibilidade, sacrifício e perseverança. Mas que idade tem seu filho mesmo? Não estará ele no momento certo para as ousadias, os experimentos, os desafios? Não parece mais saudável que esteja buscando esses aspectos dentro do mundo profissional? Sim, porque essas são questões inerentes à faixa etária. Devidamente canalizadas, revertem, sem dúvida alguma, em benefício próprio.

Em alguns casos, entrar no mercado profissional pode causar tanto deslumbramento e autonomia que aparece, por parte do jovem, o desejo de interromper seus estudos, diante da dificuldade de manter as duas atividades. Aqui, sem dúvida alguma, cabe a interferência da família no sentido de ajudá-lo a encontrar caminhos. O trabalho precisa significar o complemento prático necessário à vida acadêmica e não sua substituição. Mostre-lhe que retomar os estudos, posteriormente, é sempre mais difícil e que essa é uma fase passageira, embora atribulada.

Soltar elos e alçar vôos

Quando começar? De que maneira proceder? Não há uma receita. Os filhos e as famílias são diferentes, graças a Deus. Cada um terá seu tempo, sua forma. Mas a ação de, gradativamente, cortar os laços de dependência, faz parte do papel de quem educa. O importante é que pais e mães, desde cedo, estejam sempre se perguntando o quanto seu instinto de proteção possa estar impedindo o crescimento de seus filhos. Que conversem sobre isso e que procurem caminhos para propiciar o amadurecimento. Muitas vezes, num primeiro momento, certas atitudes podem parecer duras, difíceis de tomar, algumas carregadas de culpa.

Recentemente uma mãe, que passava por momentos financeiros complicados, explicitava sua aflição e conseqüente sentimento de angústia diante da necessidade de dividir algumas despesas com seu filho, despesas que considerava de sua obrigação, como a manutenção da universidade. Surpreendentemente, ao conversar com ele a respeito, tomou conhecimento de que o jovem não somente pagava seus estudos, mas também conseguia, com seu salário de estagiário, guardar um relativo dinheiro para despesas pessoais e, acredite, uma poupança! Havia, em seu tom de voz, prazer por ser capaz de gerir suas finanças. Havia, mais do que tudo, o orgulho saudável de saber que, naquele momento tão especial, além do auxílio à família, ele tinha um papel ativo na construção de seu futuro.

Pois bem, como sempre, o que parece culpa para os pais, pode ter o sabor de conquista para o jovem. A valorização da independência, o viver de forma autônoma e responsável decorre, em grande parte, das experiências concretas que a experiência profissional proporciona. Por isso, fique de antenas ligadas às manifestações de desejo de alçar vôo. Em alguns casos, se necessário, incite-o. Se bem orientado ele, certamente, será o primeiro de muitos outros, sempre mais altos e mais distantes. Que bom, é sinal de que seu filho começa, de fato, crescer. Longe das suas protetoras asas.

quinta-feira, julho 27, 2006

O poder das margens


Você chama de violentas
as águas de um rio que tudo arrasta,
mas não chama de violentas
as margens que o aprisionam.
Bertold Brecht
Onde estará a real violência?

quarta-feira, julho 26, 2006

Sexo forte e sexo frágil: diferença real ou cultural?


Quando os meninos e meninas
fogem ao padrão esperado,
há um choque,
um estranhamento geral.
Afinal, será que esse padrão ainda existe?

A respeito desse assunto, em 1985, a então psicóloga e sexóloga Marta Suplicy, já escrevia “Não se nasce Mariazinha. É necessário uma educação esmerada, muito puxão de orelha, reprimendas e elogios, e uma boa dose de imitação à figura da mãe, acompanhada de admiração pelo pai, para se produzir uma Mariazinha.” (1)

Dizia ela em seu livro que o delicado e submisso papel que as meninas aprendem, desde pequenas, fica ‘arraigado no mais profundo do seu ser’.
Parodiando a autora, também em relação à educação dos meninos, poderíamos afirmar que não se nasce Joãozinho. Muitas de nossas ações, mesmo de forma inconsciente, apontam para uma educação “masculina”, em que o choro é proibido, as brincadeiras com bonecas são vistas com desconfiança e qualquer manifestação mais sensível é literalmente eliminada por alguns pais e avós.

Eternos estereótipos

Na realidade, se é verdade que há questões físicas que diferenciam meninas de meninos, também parece ser real que existe todo um comportamento, regido por regras sociais, perpetuadas por muitos e muitos séculos, que têm determinado alguns parâmetros para a criação dos filhos. Um menino é sempre direcionado para a autonomia. Quem já não ouviu a famosa frase, diante de uma briga entre garotos na escola: Você já é um homem, tem que começar a resolver seus problemas sozinho! Pois saiba que, ao analisarmos os comportamentos de meninas e meninos, percebe-se nitidamente que os garotos possuem uma forma de lidar com as brigas de maneira independente e autônoma. Já as garotas parecem sempre necessitar de um adulto que seja intermediário nas crises. Isso é incrível, se levarmos em conta que meninas amadurecem mais rapidamente.

Sim, estamos falando de estereótipos, criados e sedimentados ao longo de muitos e muitos anos. Aqueles modelos que dizem que as meninas são mais delicadas, sensíveis, afeitas às tarefas domésticas. Dizem também que os meninos são os que resolvem tudo na briga, devem sempre gostar de esportes, principalmente o futebol e que possuem, desde cedo, um apelo sexual maior do que as garotas.Tais estereótipos são os responsáveis pela vestimenta, pela escolha dos brinquedos, dos cursos que devem freqüentar, enfim, parece estar tudo bem “classificadinho”, no sentido de se permitir e incentivar alguns procedimentos aos garotos e outros às meninas.

A quebra de paradigmas

Nesse início do século XXI, pode-se afirmar que, a cada dia, esses antigos modelos têm sido desafiados. Convivemos com o antigo e o novo ao mesmo tempo. Talvez, por isso, escola e família estejam tão atordoadas em relação a esse assunto. Se, na cabeça de alguns pais, esse ainda é o modelo, a moçada parece estar agindo diferente e um novo padrão começa a surgir. Expressões e atitudes, antes só permitidas a meninos, começam a ser verificadas nas garotas e vice-versa. Menino chora? Chora sim! Garota vai ao jogo de futebol? Fala palavrão na arquibancada? Sem sombra de dúvida!

Evidentemente esse é o reflexo de uma sociedade que começou a ser alterada há algumas décadas, quando a mulher jogou-se no mercado de trabalho e os homens começaram a desempenhar algumas funções, antes só pertencentes às mulheres. Paralelamente, descobertas científicas recentes vieram questionar essa distinção rígida e tradicional entre o homem e a mulher. Os estudos contemporâneos apontam um leque surpreendentemente variado de comportamentos de homens e mulheres em nosso mundo. Hoje há um olhar e uma aceitação do “feminino” nos homens e do “masculino” nas mulheres. São novos padrões de atuação que desafiam os tradicionais e que, parecem, vieram para ficar.

Não é fácil lidar com essa questão no dia-a-dia. Como vivemos numa fase de transição, várias vezes nos surpreendemos, usando expressões como: Que modos são esses! Você está parecendo um menino! ou até mesmo: Deixe de ser fresco! Pare de reclamar tanto e chorar! Está parecendo sua irmã! Também é normal que aceitemos mais facilmente o palavrão na boca de um menino e a boneca nas mãos da garota. Mas esses são procedimentos que os pais precisam começar a rever. Aos poucos. Começar a aceitar a sensibilidade vinda do garoto, por exemplo, é fundamental na formação de sua personalidade. Ao mesmo tempo, auxiliar a menina a ser mais autônoma, relacionar-se melhor com suas necessidades e lutar pelos seus direitos, também.

Aceitação, cooperação e respeito entre os sexos

Se a quebra dos estereótipos pode assustar as famílias, por ser algo novo, ela também aponta caminhos bem interessantes, se os pais souberem aproveitar. Sabe por quê? Porque, bem canalizada, essa nova visão irá auxiliar famílias e escolas a formar crianças e adolescentes menos preconceituosos, mais cooperativos e respeitosos entre si. Família e escola são as instituições nas quais se deposita a semente que, posteriormente, irá germinar. Nesse sentido, é aí que se deve atuar desde cedo, para que os jovens saiam para o mundo mais despojados de antigos preconceitos e mais preparados para interagir com o sexo oposto, de forma produtiva, em sintonia e cooperação.
No mundo de amanhã não deverá haver lugar para a briga entre os sexos. Essa é uma discussão que pertence ao passado. No mundo que virá espera-se que eles se percebam, se compreendam, se aceitem e se respeitem. Para isso, precisam enxergar e administrar em si próprios os componentes femininos e masculinos, independentemente do sexo a que pertençam.

Simone de Beauvoir, há quase cinco décadas atrás, disse: Não se nasce mulher; torna-se mulher. O mesmo diremos dos garotos, não é mesmo? Não se nasce homem, torna-se homem. E para que isso ocorra de forma saudável, o olhar, a sensibilidade e a atuação da família são imprescindíveis.
(1) Marta Suplicy, De Mariazinha a Maria, Petrópolis, Editora Vozes, 1985.

terça-feira, julho 25, 2006

A escrita que salva


Por Clarice Lispector


Eu tive desde a infância várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei porque foi essa que segui. Talvez porque para as outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E, para escrever, o único estudo é mesmo escrever. Adestrei-me desde os sete anos de idade para que um dia eu tivesse a língua em meu poder. E, no entanto, cada vez que vou escrever, é como se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estréia penosa e feliz.
Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa
é o que eu chamo de viver e escrever.
Escrevo como que para salvar a vida de alguém,
provavelmente a minha.
Fonte: Waldman, B. Clarice Lispector.S.Paulo, Braziliense.1988.

segunda-feira, julho 24, 2006

Tomás sabe das coisas....


O poema abaixo é indicação do Tomás, querido aluno e, hoje, amigo que está sempre presente em meu coração.


O Adolescente

A vida é tão bela que chega a dar medo.

Não o medo que paralisa e gela,
estátua súbita,
mas
esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz
o jovem felino seguir para frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta.

Medo que ofusca: luz!

Cumplicemente,
as folhas contam-te um segredo
velho como o mundo:

Adolescente, olha! A vida é nova...A vida é nova
e anda nua
– vestida apenas com o teu desejo!

Mario Quintana

sábado, julho 22, 2006

Além da imaginação


Além da imaginação

Tem gente passando fome.
E não é a fome que você imagina
entre uma refeição e outra.
Tem gente sentindo frio.
E não é o frio que você imagina
entre o chuveiro e a toalha.
Tem gente muito doente.
E não é a doença que você imagina
entre a receita e a aspirina.
Tem gente sem esperança.
E não é o desalento que você imagina
entre o pesadelo e o despertar.
Tem gente pelos cantos.
E não são os cantos que você imagina
entre o passeio e a casa.
Tem gente sem dinheiro.
E não é a falta que você imagina
entre o presente e a mesada.
Tem gente pedindo ajuda.
E não é aquela que você imagina
entre a escola e a novela.
Tem gente que existe e parece
imaginação.

Ulisses Tavares

sexta-feira, julho 21, 2006

Emílias, Amélias ou... Marias? Ah, apenas mães que trabalham fora...

Por Norma Leite Aquilin0

Eu quero uma mulher
Que saiba lavar e cozinhar,
Que de manhã cedo
Me acorde na hora de trabalhar..
Wilson Batista / Haroldo Lobo

Não, não faz tanto tempo assim. Os poetas cantavam uma outra mulher. Uma mulher que era toda dedicação ao lar. Sua vida estava centrada em sua casa, seus filhos e seu companheiro. Seu prazer, objetivo final era proporcionar o bem-estar e o equilíbrio familiar. Para ela revertiam as angústias, aflições...Quem não conhece, ao menos, um caso dessas fortes mulheres que, em busca da estabilidade emocional de seus filhos e do apoio à vida profissional de seus maridos, abriram mão de anseios e aspirações outras? Os casos são muitos, mas todos eles revelam algo em comum: essa mãe era uma presença diária, dava o norte, acolhia. Essa mãe dava o tom...com um olhar se fazia compreender. Ela era esteio, segurança e porto seguro.

Não, não se trata da apologia do que se foi, de um tempo em que o homem era o mantenedor da família. Cabe, simplesmente, resgatar alguns aspectos que faziam parte do papel daquela mulher que, aparentemente, nos parecia alienada do mundo exterior, mas que, silenciosamente, cuidava da economia doméstica, dava aulas particulares a seus filhos, organizava e realizava as tarefas de casa, olhava pela saúde de todos, dentre outros tantos afazeres.
Aquela mãe possuía algo sobre o qual temos que nos debruçar: sensibilidade e intuição. Era por meio dessa intuição que descobria talentos. Era mediadora, conhecia a todos e sabia retirar de cada um, de uma forma diferente, o que de melhor podia. Intuição, equilíbrio e sensatez.

As inúmeras jornadas

Nos últimos cinqüenta anos muita coisa mudou porque o mundo sofreu alterações profundas e velozes. Há uma nova mulher, uma mulher que conquista espaços cada vez maiores e mais significativos. Descobriu o mundo profissional, por necessidade e por vontade. Ela busca realizações intelectuais, financeiras, afetivas, sexuais. Descobriu-se como mulher e como um ser produtivo fora do lar. Sua contribuição financeira é, a cada dia, mais importante. Encontra, a todo momento, um novo curso para fazer, uma forma de crescimento diferenciada. Seu caminho apenas começou; afinal, esse mundo foi por tanto tempo trilhado somente pelos homens...

Mas essa mesma mulher enfrenta, hoje, questões sérias e desafiadoras quando no exercício de sua função materna. Seu tempo é curto, diante das longas jornadas de trabalho e de estudo. Chega, ao final do dia, muitas vezes, cansada...o dinheiro anda curto, as crianças pedem tanto.... Preparar o jantar, ir ao supermercado, cuidar da casa, pagar contas, reuniões da escola, ser motorista dos filhos, acolher o companheiro que não está bem, a avó que está doente, conversar com a empregada...(Quem falou mesmo em dupla jornada???? Talvez quádrupla...) . Os papéis são mesmo muitos. Exigem bastante, física e emocionalmente. Como olhar os filhos com o tempo e a qualidade que ela exige de si própria? Sim, porque essa é uma mulher exigente, uma mulher que tem lutado duramente para conseguir proporcionar o melhor a sua família.
Essa não é mais a personagem da popular canção que tão inocentemente ilustrou um determinado momento de nossa sociedade...Ela parece ter ultrapassado limites, derrubado fronteiras, escalado montanhas...agora parece mais Maria, a que o poeta enxergou e, com a lucidez típica dos visionários, retratou ...

Maria, Maria é um dom, uma festa, magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece viver e amar
Como outra qualquer no planeta
Maria, Maria é um som, é a flor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas agüenta

Mas é preciso ter força
É preciso ter raça, é preciso ter gana, sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria mistura a dor e a alegria
Milton Nascimento e Fernando Brant

Ah...esse Milton...Consegue resgatar a força daquelas mulheres, antes recolhidas ao lar e lança o sonho...o sonho das mulheres deste final de século. E nesse lançar traz à tona o que, de fato, é a vida. Mistura de sofrimento e felicidade. De choro e de riso. As mulheres estão sobrecarregadas? Mas o mundo inteiro está. Não conseguem ainda resgatar muito de sua função como mães? Mas os homens também....seu papel está indefinido, confuso...

Sinal de alerta: o que faz a diferença?

Uma parada sobre essa questão se faz necessária. Analisar a fadiga diária é também analisar a forma como se encara o cotidiano e seus desafios. Você tem sorrido? Olhado o mundo a seu redor? Tem ouvido música com prazer? O que faz ao chegar em casa? Corre para a cozinha? Dá um tempo para si própria? Ao encontrar seu filho, após a escola, consegue beijá-lo e, calmamente, olhá-lo nos olhos e perguntar como foi o seu dia? Aproveita seus momentos de motorista ou de cozinheira para ouvir seus casos? Diante de uma lição de casa a qual bravamente ele resiste, consegue respirar fundo, olhar em seus olhos e perguntar: “O que acontece?” Ou entra no embate direto? Se a relutância continua, permite-se dizer calma e firmemente: “Converse com sua professora a respeito. Nós dois não estamos conseguindo solucionar suas questões.”

Parecem pequenas coisas. Mas é o aparentemente insignificante que faz a diferença. É isso que diz a seu filho: “Estou aqui, a seu lado, apesar de correr muito.” Há problemas, questões mal resolvidas, lacunas a serem preenchidas, mas seu filho não precisa ter uma mãe perfeita. Nenhuma o é. Nem as do passado o foram. Ele necessita de uma mãe presente. E que procure, dentro de suas limitações, dar o melhor que consiga. Por tempos menores? Não faz mal...é uma criança inteligente, percebe sua luta diária. Sabe da sua força, da sua garra, admira-a por isso. Mas pede seu olhar e sua palavra, quer marcar sua presença, como que dizendo: estou aqui...olhe para mim... Nesses momentos bate o pé, fala alto, enfrenta você. Ou então faz outras coisas....sabe bem quais...Crianças são mestres nesse ofício, a arte da sedução...

A sedução da onipotência X Paradas obrigatórias

E por falar em sedução, cabe a pergunta: como essa correria toda, essa velocidade, esse emaranhado de coisas seduz, não é verdade? Seduz tanto que não se consegue delegar nada, absorve-se tudo. A mulher se apropria e não consegue distribuir tarefas ou as distribui em doses homeopáticas, supervisionando o trabalho de todos. Longo aprendizado...
É nesse momento que a imagem do freio de mão surge com tanta força. Há que se ter freio para o cotidiano. Freio. Paradas. Simples paradas. Pequenas pausas. Nelas conseguimos enxergar, com distanciamento, o olhar aflito de nosso filho que brigou na escola, o sorriso alegre e o encantamento de nossa filha com seu primeiro namorado...o rosto preocupado de nosso companheiro que teve problemas no trabalho... É nesses pequenos momentos, também, que essa mulher consegue olhar para si própria e se perguntar sobre seu limite.

Retomar o velho adágio

O sonho move o mundo.... O freio é como que uma breve pausa para a retomada do rumo. São instantes preciosos porque neles você trabalha com elementos fundamentais para o seu bem-estar e o de sua família: o conhecimento, a sensibilidade, a intuição e o equilíbrio. Não, não trabalhe somente com o que lhe recomendam os manuais, aqueles grossos manuais que trazem fórmulas de sucesso para educar seus filhos. Lide com sua percepção. Receitas serão sempre receitas, contêm o básico. E o que faz você com elas? Muda o recheio da torta porque a fruta está em falta....aumenta ou diminui os ingredientes, dependendo do número de convidados...acrescenta um pouco mais de manteiga, porque fica mais saboroso... Enfim, você provoca alterações porque sabe o que deseja obter. Às vezes, as alterações são um sucesso, outras vezes, um fracasso. Mas, o que conta é que, naquele momento, você buscou fazer o que melhor podia, com os ingredientes de que dispunha, levando em conta seus convidados, seu orçamento.
O mesmo ocorre na educação de seus filhos. Erra-se com ou sem receitas. Não se incomode com o erro. Nada é irreversível quando se quer acertar. O velho adágio já diz: Só erra quem faz. Quando se está atenta e agindo, consegue-se construir um caminho muito particular e...muito coletivo. Particular porque sem mandamentos fechados, imutáveis, rígidos. Coletivo porque busca o bem-estar de todos que a rodeiam.

Retomando a Maria que permeia todas as mulheres:
na preparação da torta ou na educação dos filhos
"...é preciso ter manha, é preciso ter graça
é preciso ter sonho sempre..."
Você os tem?

quinta-feira, julho 20, 2006

Filhote de mulher

Filhote de mulher,
Para se tornar gente, precisa acrescentar
requisitos essenciais à natureza.
Estes requisitos têm a ver com a
necessidade fundamental
de se identificar, de ter um nome,
de pronunciar a sua palavra,
de criar o seu jeito de resolver problemas,
de construir sua história, o seu drama,
os seus valores próprios,
os seus significados exclusivos e originais.

Esther Pillar Grossi

quarta-feira, julho 19, 2006

Diários, os eternos companheiros na adolescência




Por Norma Leite Aquilino




Ela chega da escola, almoça rapidamente, sobe as escadas correndo e...
tranca-se no quarto! A mãe preocupa-se, bate à porta. Silêncio.
Demora a abrir...

Em cima da escrivaninha pode haver papéis soltos escritos - alguns amassados - ou até mesmo o tradicional caderninho de anotações pessoais: o famoso diário.
A mãe fica curiosa, mas se contém. Ah! Que vontade de saber o que acontece na vida daquela menina: seus pensamentos, suas emoções... seus doces segredos!
A garota rapidamente o esconde. Aquele é seu companheiro mais íntimo – ouvido atento às suas alegrias, dores, ansiedades e conflitos. Quando nada mais é possível ou quando mais ninguém pode ser o depositário fiel de suas inquietações, lá está ele, com suas páginas em branco, à sua espera, como que a dizer: aqui você pode tudo. Venha! E ela, então, se entrega, solitariamente, a seu pequeno caderno, procurando respostas dentro de si mesma ou simplesmente registrando momentos repletos de significado em sua vida cotidiana.

A escrita que resgata a vida

Escrever é tarefa que, dizem os conhecedores do ofício, dá sentido à vida. Faz com que o mundo se reconfigure em nossa mente. A escrita traz reflexão, auto-conhecimento. Mas também tem o papel de tornar nossa existência mais bela, menos dolorida. Quando jovens resolvem registrar suas experiências e expectativas numa folha de papel, por livre e espontânea vontade, exercem um ato importante nessa fase da vida, tão conturbada e de tantas e profundas transformações. Não há período em que se isolem mais. Tornam-se arredios, avessos à aproximação e ao diálogo com os mais velhos. Nesse momento, o diário representa um instrumento eficaz, válvula de escape, cantinho privilegiado para o desaguar de anseios e paixões - espaço verdadeiro, genuíno de quem busca liberdade. Muitos nem o usam, no início, para produções próprias: copiam poemas, colam imagens, fotos, reescrevem pensamentos. Vale tudo, desde que o material seja o reflexo do momento vivido.

A descoberta da forma de cada um

Mas é também, por meio das ilações contidas nesse tipo de registro escrito, que muitas adolescentes descobrem seu talento na arte da escrita. Escrever se aprende escrevendo. A prática ensina o que a teoria simplesmente explica, justifica. Exatamente por isso, muitas vezes, é no diário que acontecem as primeiras experiências de muitas garotas que virão, posteriormente, dedicar-se aos atos de escrita com freqüência – algumas até mesmo profissionalmente.
De qualquer maneira, com habilidades e tendências ou não, quando jovens fazem seus ensaios no papel, com freqüência e por sua própria vontade, criam vínculos diferenciados com o ato de redigir. Nesse momento, buscam formas próprias, sejam poemas, divagações ou declarações de amor. Não importa. Seu estilo começa a surgir e a ser burilado, muitas vezes inconscientemente. Ajudar a canalizar a energia dos jovens para esse tipo de atividade não significa imposição, mas respeito, valorização e incentivo por parte dos pais quando percebem a tendência.

A curiosidade dos pais

É comum que alguns pais se sintam, nesse momento, curiosos, desejosos de conhecer um pouco mais do mundo que os filhos insistem em encobrir nessa faixa etária. Há até mesmo aqueles que, sem que os adolescentes saibam, vasculham seus pertences em busca de informações. Nada tão invasivo e desrespeitoso! Difícil conter-se? Sim, sabemos que é difícil. Mas se queremos que os filhos respeitem nossa privacidade, precisamos mostrar-lhes por meio de atos concretos que também respeitamos a sua.
O papel dos pais nada mais é, nesse instante tão delicado, do que o daquele que assiste e consegue preservar esses momentos de solidão da adolescente com carinho e compreensão. Acompanhar à distância. Mais importante do que ler informações pessoais, pai e mãe colheriam dados muito mais significativos de seus filhos se observassem suas atitudes, “lessem” os sinais que emitem diariamente, em seus atos cotidianos. E, com base nessa observação, pensassem em caminhos para atuar. Quanto poderia ser evitado ou minimizado se essa fosse uma prática constante!

Um pouco de luz e cor

Mas essa riqueza toda que pode ser desvendada por meio da escrita voluntária, também é ignorada por muitos adolescentes que, nem ao menos se aventuram... Uma pena! Nesses momentos, vale sempre aquela idéia que diz que devemos propiciar os instrumentos, sem imposição... Muitas vezes um diário vindo, despretensiosamente, em forma de lembrança, de presente, numa ocasião especial, pode acordar dentro da jovem algo totalmente adormecido, mas capaz de lhe dar enorme prazer e conforto. Mais do que isso, pode dar um pouco de luz e de cor à sua vida, uma vez que lida com a imaginação, com o sentimento e com os anseios tão naturais da idade!


Quando se fala da importância dos registros pessoais, nunca é demais lembrar as palavras da escritora e educadora Lucy McCormick Calkins:
Escrever permite que transformemos o caos em algo bonito, permite que emolduremos momentos selecionados em nossas vidas, faz com que descubramos e celebremos os padrões que organizam nossa existência.

sexta-feira, julho 14, 2006

A escola dos meus sonhos



Por Frei Betto

Na escola dos meus sonhos, os alunos aprendem a cozinhar, costurar, consertar eletrodomésticos, a fazer pequenos reparos de eletricidade e de instalações hidráulicas, a conhecer mecânica de automóvel e de geladeira e algo de construção civil. Trabalham em horta, marcenaria e oficinas de escultura, desenho, pintura e música. Cantam no coro e tocam na orquestra.
Uma semana ao ano integram-se, na cidade, ao trabalho de lixeiros, enfermeiras, carteiros, guardas de trânsito, policiais, repórteres, feirantes e cozinheiros profissionais. Assim aprendem como a cidade se articula por baixo, mergulhando em suas conexões que, à superfície, nos asseguram limpeza urbana, socorro de saúde, segurança, informação e alimentação.

Não há temas tabus. Todas as situações-limite da vida são tratadas com abertura e profundidade: dor, perda, falência, parto, morte, enfermidade, sexualidade e espiritualidade. Ali os alunos aprendem o texto dentro do contexto: a Matemática busca exemplos na corrupção dos precatórios e nos leilões das privatizações; o Português, na fala dos apresentadores de TV e nos textos de jornais; a Geografia, nos suplementos de turismo e nos conflitos internacionais; a Física, nas corridas de Fórmula-1 e nas pesquisas do supertelescópio Huble; a Química, na qualidade dos cosméticos e na culinária; a História, na violência de policiais contra cidadãos, para mostrar os antecedentes na relação colonizadores – índios, senhores – escravos, Exército – Canudos, etc.

Na escola dos meus sonhos, a interdisciplinaridade permite que os professores de Biologia e de Educação Física se complementem; a multidisciplinaridade faz com que a História do livro seja estudada a partir da análise de textos bíblicos; a transdisciplinaridade introduz aulas de meditação e dança e associa a história da arte à história das ideologias e das expressões litúrgicas.
Se a escola for laica, o ensino religioso é plural: o rabino fala do judaísmo, o pai-de-santo, do candomblé; o padre, do catolicismo; o médium, do espiritismo; o pastor, do protestantismo; o guru, do budismo, etc. Se for católica, há periódicos retiros espirituais e adequação do currículo ao calendário litúrgico da Igreja.

Na escola dos meus sonhos, os professores são obrigados a fazer periódicos treinamentos e cursos de capacitação e só são admitidos se, além da competência, comungam os princípios fundamentais da proposta pedagógica e didática. Porque é uma escola com ideologia, visão de mundo e perfil definido do que sejam democracia e cidadania. Essa escola não forma consumidores, mas cidadãos.

Ela não briga com a TV, mas leva-a para a sala de aula: são exibidos vídeos de anúncios e programas e, em seguida, analisados criticamente. A publicidade do iogurte é debatida; o produto adquirido; sua química, analisada e comparada com a fórmula declarada pelo fabricante; as incompatibilidades denunciadas, bem como os fatores porventura nocivos à saúde. O programa de auditório de domingo é destrinchado: a proposta de vida subjacente, a visão de felicidade, a relação animador-platéia, os tabus e preconceitos reforçados, etc. Em suma, não se fecham os olhos à realidade, muda-se a ótica de encará-la.
Há uma integração entre escola, família e sociedade. A Política, com P maiúsculo, é disciplina obrigatória. As eleições para o grêmio ou diretório estudantil são levadas a sério e, um mês por ano, setores não vitais da instituição são administrados pelos próprios alunos. Os políticos e candidatos são convidados para debates e seus discursos analisados e comparados às suas práticas.

Não há provas baseadas no prodígio da memória nem na sorte da múltipla escolha. Como fazia meu velho mestre Geraldo França de Lima, professor de História (hoje romancista e membro da Academia Brasileira de Letras), no dia da prova sobre a Independência do Brasil, os alunos traziam para a classe a bibliografia pertinente e, dadas as questões, consultavam os textos, aprendendo a pesquisar.
Não há coincidência entre o calendário gregoriano e o curricular. João pode cursar a 5ª série em seis meses ou em seis anos, dependendo de sua disponibilidade, aptidão e seus recursos.
É mais importante educar do que instruir; formar pessoas que profissionais; ensinar a mudar o mundo que ascender à elite. Dentro de uma concepção holística, ali a ecologia vai do meio ambiente aos cuidados com nossa unidade corpo-espírito e o enfoque curricular estabelece conexões com o noticiário da mídia.

Na escola dos meus sonhos, os professores são bem pagos e não precisam pular de colégio em colégio para se poderem manter. Pois é a escola de uma sociedade em que educação não é privilégio, mas direito universal, e o acesso a ela, dever obrigatório.

Texto extraído da coluna Espaço Aberto do Jornal O Estado de S. Paulo, 14/05/97

quinta-feira, julho 13, 2006

Quando os jovens nos surpreendem

Luisa escreveu esse pensamento em 2004,
estava na 6ª série e era, ainda, uma menina...
Mas que menina!
Profunda, reflexiva, ela disse tudo, não disse?



Tudo muda, tudo tem mira,
Tudo nasce, tudo vira,
A cada transformação uma coisa gira.
Luisa Napoli

Se você quer ser minha namorada...


Por Norma Leite Aquilino

Agora eu era o herói
E meu cavalo só falava inglês...
Chico Buarque de Holanda

Chega em casa com os olhos brilhantes... lição? Banho? Nem pensar! Onde está o telefone? Estará ela em casa? Ela, a garota em pauta, é mais alta, corpo em desenvolvimento, sensualidade latente...voz rouca ao telefone...mas possui, pasme, a mesma idade dele, dez anos. A mãe percebe a movimentação do menino, pede-lhe que cumpra sua rotina da noite. Mal escutando, retira da mala um punhado de papéis, bilhetes, juras de amor, entregues por intermédio de um amigo, na hora do recreio. Liga o som, canta, com o conjunto de sucesso, músicas em inglês - românticas e doces canções... A mãe sorri, com um misto de fascínio e de preocupação (garoto, onde está sua bola?). O telefone toca e, com o coração disparado, ele atende. A porta do quarto é fechada, a mãe tenta escutar, procura inteirar-se do que ocorre. Difícil. Bate à porta. Hora do banho. Hora da lição. Nada disso. Hora de parar com essa bobagem toda! Acabaram de se separar na escola! Ele ainda é um moleque... O que ocorre com os meninos de hoje? Essa mãe tenta, inutilmente, se convencer da ingenuidade de tudo. Ele somente está encantado com a atenção que recebe da garota mais disputada da classe. De alguma forma se percebe herói, defende sua garota na escola, escreve cartas e bilhetes jurando o impossível. Afinal, é sua primeira paixão. Paixão de criança. Quem não a teve? Fosse pela professora ou pela amiguinha de classe, ela faz parte do repertório de todos. Será que é isso mesmo? Nada de errado? Nada com que se preocupar?

Hum...parada obrigatória...

Não há mãe que, num primeiro momento, não sinta a beleza, a fascinação de ver seu filho encantado com um sentimento que faz bem, que alimenta a auto-estima, principalmente quando tudo é descoberta, quando o novo aparece para dar colorido, luz, fantasia. A preocupação surge quando se pensa na antecipação, na intensidade e na velocidade com que tudo acontece. Como é mesmo que tudo se dá? Qual foi o caminho percorrido para que essas duas crianças se dissessem hoje apaixonadas? Na realidade, não houve um caminho, houve muitos, vindos de diferentes direções. Representam tudo o que o mundo moderno nos oferece através da tecnologia e da informação: outdoors, jornais, revistas, cinema, internet, televisão... Porém, mais do que os meios propriamente ditos, parece estar em discussão como tudo é veiculado e percebido pelas crianças, jovens e adultos.

A era do descartável

Na era do descartável, assiste-se à garotinha de três anos rebolando no programa de sábado à tarde.Ela mexe seu corpinho, o apresentador aplaude, os pais sorriem, orgulhosos... seu filho assiste. Nesse mundo globalizado, você acessa a internet, entra na rede e depara-se, subitamente, com um garoto de treze anos, buscando aventuras em salas destinadas a pessoas de cinqüenta anos. Seu vocabulário é claro e pesado...você assiste. Na virada do milênio compra-se o prazer sexual via telefone, através de anúncios veiculados diariamente na TV; apresentadores de programas com altos índices de audiência exploram, diante dos olhos de todos, barbaridades ou assuntos íntimos da vida de nomes conhecidos do grande público, segredos de alcova, preferências sexuais... seu filho a tudo presencia. Ora gargalha, ora arregala os olhos e, enfim, sem muita reflexão, começa acreditar que tudo pode ou deve ser assim mesmo - descartável, chocante, violento e invasivo. Filhos da tecnologia e da informação. Não, não se trata caçar vilões responsáveis pelo doce sentimento que agora experimenta pela garota. O que ele vive é bonito, porque é terno, repleto de fantasia.Trata-se, no entanto, de deixar claro que esse mundo está antecipando o que, no passado, acontecia muito posteriormente. Meninos de nove, dez anos jogavam bola, soltavam pipa, brincavam de médico, sim, mas... tudo era realizado de forma lúdica, com sabor e gosto de molecagem.

Em busca do lado mágico da vida

Há algumas reflexões, no mundo de hoje, as quais os pais não podem se furtar. Existe uma diferença entre sentir-se fascinada por aquilo que dois garotos sentem e o incentivo consciente de um namoro entre crianças dessa faixa etária. Incentiva-se quando se dá dinheiro para que ele compre presentes semanais para a garota, quando se acha bonito que os telefonemas durem uma, às vezes duas horas.Quando eles se falam às onze horas da noite e os pais o permitem. Não se consegue dar limite. Os meios de comunicação não o colocam e os pais, quando podem fazê-lo, não conseguem. Por que motivo há o desejo de que os filhos cresçam tão rápido? Por que esse orgulho ao vê-los agir como adultos, o que se busca quando se evita dizer o não de que , muitas vezes, eles necessitam? Cumplicidade? Aproximação? Esse bravo herói, essa gentil princesa, que reproduzem o encantamento dos contos de fadas, das novelas a que assistem, só estão, nesse momento, procurando o lado mágico da vida. Por que também não lhes mostrar a magia existente em outros papéis? Não, não bata de frente.Ouça, escute o que eles têm a dizer. Mas não deixe de, sensata e firmemente, pontuar o que lhe interessa e colocar regras e limites. Ajude-os a encontrar o equilíbrio. Permita-lhes perceber que, além dessas personagens, eles são mais tantas outras... guerreiros que lutam bravamente contra as injustiças, fadas que preparam poções mágicas, aventureiros que desbravam as selvas, em busca de tesouros perdidos... Você, hoje, é um adulto. Sabe da importância da fantasia em qualquer idade. Tem consciência de seu dever, como educador, de não lhes tirar esse sonho, mas de ampliá-lo, com carinho, firmeza, sensatez. O prazer é feito de muitos cheiros, cores, sons. Não permita que o reduzam àquilo que move, hoje, o mundo. Não se omita diante do que a mídia insiste em lhe vender de forma vil, pequena. Essas crianças precisam de mais, de muito mais. Merecem viver o sonho em sua plenitude pois são os seus filhos, a continuidade, aqueles que podem e devem, um dia, transformar o que aí está.

Pais e professores: batendo de frente ou de mãos dadas?



Por Norma Leite Aquilino


Saída da escola. Pátio do colégio. Mães, em pequenos grupos, conversam. Algumas estão agitadas, inquietas. Talvez irritadas com o procedimento da professora ao cobrar, tão insistentemente, a pesquisa que deveria ter sido entregue pelos alunos... e não o foi no tempo previsto.Os argumentos, todos válidos, são os mais diversos: "O tempo dado pela professora foi curto.." ou "Não havia material em casa sobre o assunto, não tive tempo de ajudá-lo... nessa semana trabalhei até tarde e... tudo deu errado!" ou ainda "Ele é muito novo, não compreende o que é pesquisar, perde-se no meio dos textos! Eu então acabo ditando ou fazendo por ele! Onde está a professora que não o orientou corretamente? "
Saída da escola. Sala dos professores. A professora, em meio aos colegas de trabalho, está inconformada. Nervosa com o procedimento daquele grupo de alunos e com o aparente descaso dos pais. Planejou com tanto carinho os passos daquele trabalho! Explicou a importância da referida pesquisa, deu-lhes quatro dias... Disse-lhes que, se não houvesse material em casa, realizassem uma pesquisa oral ou fossem à biblioteca da escola, que escrevessem os textos com suas próprias palavras, enfim, confiou em sua responsabilidade e...nada funcionou! Onde estarão essas famílias que não valorizaram as obrigações escolares?
Dois espaços: pátio do colégio, sala dos professores. Dois grupos: pais, profissionais da educação. Ambos cobertos de razão. Quando se analisam os argumentos expostos, isoladamente, nada a contestar. A questão não parece residir aí. Surge, então, a sábia frase de Leonardo Boff: "Todo ponto de vista é a vista de um ponto". Diz tudo, não diz? Há sempre diferentes perspectivas, motivos os mais diversos para um trabalho escolar não ocorrer como o esperado, porque todos estamos sujeitos a falhas e porque nem sempre a vida corre como esperamos, como a planejamos.
O que parece chamar atenção na situação acima é a "distância" das personagens envolvidas e sua visível contrariedade e decepção. Fala-se aqui em "distância" porque ela é real, nos dias de hoje, dentro das grandes instituições escolares. Os pais, imbuídos de seu papel, na correria do cotidiano, justificam-se e transferem a responsabilidade. Os professores, tomados pelo seu dever, com a certeza de que o melhor foi feito, sentem-se irritados e magoados.
Educar não é tarefa fácil. Que o digam pais e professores. Mas ela pode se complicar ainda mais se esses dois grupos não trabalharem unidos em favor da criança. E trabalhar unido não significa despejar inquietações à porta da escola, disseminar descontentamentos, minar confiança. Trabalhar junto, também não quer dizer expor alunos diante de colegas professores, rotular grupos. Trabalho conjunto significa propiciar reuniões de esclarecimentos pedagógicos e educacionais, ou seja, comparecimento freqüente das famílias à escola. É, também, buscar auxílio imediato, junto à orientadora, ao surgir alguma questão urgente. Quantos nós não teriam sido desatados se fossem resolvidos em seu início? De que serve discursar em tribunas distantes, quando o objetivo maior é a criança?
Educadores sabem, sejam pais ou profissionais, que há pelo menos dois motivos para se agir rápido e de forma transparente: porque as crianças percebem quando falta confiança por parte de seus pais e professores e porque tudo é mais tranqüilo e eficiente quando se age no claro, à luz do dia.Quando isso ocorre, a ausência da pesquisa não causa mágoa, mas é objeto de investigação e reflexão por parte do educador....por outro lado, a impossibilidade de realização do trabalho não irrita os pais, mas é motivo para aproximar-se dessa professora ou da orientadora para pedir esclarecimento ou auxílio. É esse lúcido e equilibrado diálogo que mostra às crianças que, embora haja pontos de vista diferentes, há consenso e crença em valores essenciais para sua educação. Não há, então, acusações, há parceria. Porque dela nasce o esforço coletivo em benefício do crescimento.
Não há escola, no mundo moderno, que realize seu trabalho de forma verdadeira, se não contar com a real parceria dos pais. Não há família que consiga o desenvolvimento integral e harmônico de seus filhos, se não depositar na instituição confiança e der sua parcela de contribuição. E para que isso ocorra, pais e professores deveriam inovar, criar um espaço único de troca, que substituísse o pátio e a sala dos professores. Batizado com um nome especial, com reuniões agendadas de comum acordo...poucas, mas que criassem vínculos, que tivessem como pauta assuntos escolhidos de acordo com a necessidade. E por que não? Poderia ser o começo de uma grande mudança...Fica lançada a sugestão. Abracem-na os sonhadores, os que acreditam que sempre existe espaço para o novo...
As crianças e os adolescentes agradecem....

quarta-feira, julho 12, 2006

Célestin Freinet, oportuno, sempre atual

Não é o começo do ano, mas...
sempre é hora de pensar em mudanças.

Destrua as calhas

Por Célestin Freinet

Sejamos francos: se deixássemos, aos pedagogos, o cuidado exclusivo de iniciar as crianças na manobra da bicicleta, não teríamos muitos ciclistas.
Seria necessário, com efeito, antes de montar a bicicleta, conhecê-la – elementar, não é mesmo? – pormenorizar as peças que a compõem e fazer, com bons resultados, numerosos exercícios sobre os princípios mecânicos da transmissão e do equilíbrio.
Depois, mas só depois, a criança seria autorizada a montar na bicicleta. Oh! Não se preocupe! Não a lançariam impensadamente por uma estrada difícil, onde correria o risco de ferir os transeuntes. Os pedagogos teriam providenciado boas bicicletas de estudo, montadas em calhas, girando em vão, nas quais aprenderia, sem riscos a manter-se no selim e pedalar.
E, é claro, só quando o aluno soubesse andar de bicicleta é que o deixariam aventurar-se livremente na máquina.
Felizmente as crianças aniquilam, de antemão, os projetos prudentes demais e metódicos demais dos pedagogos. Descobrem, no celeiro, uma velha maquineta, sem pneus nem freios e, às escondidas, aprendem, em pouco instantes, a andar de bicicleta, como aliás aprendem todas as coisas: sem qualquer conhecimento de regras e de princípios, agarram-se à máquina, orientam-se para a descida e.... vão aterrar contra um talude. Recomeçam obstinadamente e, em tempo recorde, sabem andar de bicicleta. A prática fará o resto.
Quando, em seguida, para andar melhor, tiverem de consertar um pneu, ajustar um raio ou colocar a corrente, desejarão conhecer, através dos colegas, dos livros ou do professor, o que, em vão, você lhes havia tentado inculcar.
Na origem de toda a conquista está, não só o conhecimento, que só vem normalmente em função das necessidades da vida, mas a experiência, o exercício e o trabalho.
Neste início de ano, destrua as calhas, apronte as bicicletas!

terça-feira, julho 11, 2006

Não, não basta abrir a janela




Poemas Inconjuntos


Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Fernando Pessoa

Você consegue verdadeiramente ver os campos e os rios?
As árvores e as flores?
A apreensão do real se dá de tantas maneiras...

segunda-feira, julho 10, 2006

Perder? Jamais!


Meu filho? Perder? Ele é um campeão, desde cedo...
E depois, nesse mundo competitivo não há espaço para perdedores...

Por Norma Leite Brandão

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
....
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida...
...
Arre! Estou fartos de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Fernando Pessoa in Poema em linha reta

O poeta português sabe das coisas, não sabe? Claro que sim. Você, pai ou mãe, que vive mergulhado em seu mundo profissional reconhece que estamos cercados de semideuses. É um mundo voltado para o sucesso, a qualquer preço. O trabalho lhe diz isso, a TV, os jornais e as revistas também. Para qualquer direção que olhemos, a imagem do sucesso tem que estar presente. O automóvel do vizinho? Importado. Ginástica? Só na academia (aquela que está na moda...)
Da aquisição do celular à escolha da escola do filho ( qual a griffe do momento?) tudo precisa apontar para o sucesso. Nunca se teve tão pouco dinheiro e se ostentou tanto! O que estará por trás disso?
Bem, como pais, é importante que se reflita sobre esse mundo que aí está e que haja um posicionamento mais adequado diante de determinadas situações vividas por seu filho. Ou o fazemos agora, quando ainda há tempo, ou perderemos o bonde e perpetuaremos a cultura do sucesso a qualquer preço.

De boas intenções o inferno está cheio...

Sim, os pais sempre agem imbuídos das melhores intenções. Num mundo tão competitivo como o nosso, como não preparar as crianças e jovens com eficiência? Como deixar de cumprir o papel de dar todos os instrumentos para que os filhos se saiam bem no futuro? Nada mais justo, sem dúvida alguma. Porém, há uma diferença entre oferecer os meios, incentivar, agir com sensibilidade e esperar que, a qualquer custo, as crianças se dêem bem. Inúmeras vezes os pais não percebem o alto grau de expectativa que possuem em relação aos filhos. Demonstram-no, de forma descabida, no jogo de futebol do campeonato da escola, nas notas do boletim escolar e, até mesmo, ao presenciar cenas de brincadeiras entre seus filhos e demais crianças. Eles se transformam em espelhos, como se os pais quisessem ver nas crianças seus sonhos não realizados. Os filhos se tornam, então, o prolongamento do pai ou da mãe. Nada mais aterrador e sufocante para o garoto ou garota! Como dar conta do que esperam?

Lidar com as frustrações

Não bastasse o sentimento de impotência por parte da criança (que, naturalmente, quer agradar...), quando os pais agem dessa forma, eles se esquecem de três questões fundamentais. A primeira é aquele princípio que diz que os filhos são do mundo, que por mais que desejemos orientá-los, temos um limite. Ultrapassá-lo é invadir o espaço do outro, apropriar-se dele.
A segunda questão refere-se ao fato de que lidar com perdas é lidar com a frustração, coisa absolutamente necessária para a vida. Indivíduos que desconhecem frustrações e não sabem como administrá-las estão totalmente despreparados para a vida pessoal e profissional. Não têm equilíbrio, eixo, flexibilidade. Não enxergam a si mesmos, nem os outros. Desconhecem seus limites, pois só vêem a ponta do seu nariz.
A terceira questão, profundamente ligada às anteriores, reside no fato de que a perda, bem trabalhada, traz crescimento, provoca alterações de rumo e torna o ser humano mais fortalecido e criativo. Pronto para o que der e vier. Perder é entrar em crise. E é do conhecimento de todos que os momentos difíceis abrem caminhos jamais imaginados. Por que não ensinar isso às crianças desde cedo?

Seres de carne e osso

Nunca foi tão importante fazer com que os filhos enxerguem seus limites. Há, hoje, uma profunda falta de humildade, de reconhecimento de que não somos super-heróis e de que não damos mesmo conta de tudo. Mas os filhos precisam que os pais também mostrem suas fragilidades, suas necessidades, sua incompetência para fazer algumas coisas. Incompetência sim. Se os pais não começarem a apontar suas limitações claramente, das financeiras às emocionais, jamais conseguirão mostrar às crianças o que é batalhar duramente pela vida. A conseqüência? Adultos despreparados para o mundo e suas vicissitudes. Percebeu o que ocorre? Exatamente o inverso do que esperavam: o sucesso.

Talvez o segredo esteja no equilíbrio de tudo. Possivelmente devamos dar os instrumentos necessários e orientá-los no sentido de que sejam usados de forma digna, em benefício de si próprio e do outro. A competitividade existirá sempre. Existe na família, na sala de aula, no trabalho. A questão não é eliminá-la, pois isso é impossível. O desafio é lidar com ela de forma limpa, ética, sem prejuízo do outro. No jogo do ter e do ser, embora o primeiro, no momento, esteja ganhando, cabe aos pais reverter o placar. Rápido e urgente. Comece por você, nos pequenos atos do cotidiano. É no pequeno que se faz a grande transformação.

sexta-feira, julho 07, 2006

O brilho das estrelas


O brilho das estrelas
só tem essa magnitude graças
à escuridão do céu noturno.
É assim que vejo
o vasto céu das pessoas célebres,
pequenos e cintilantes pontos envoltos
numa grande escuridão de anônimos.
Mateus Franco - 2005
Mateus é um doce e querido aluno,
uma estrela que brilha muito
e que, espero, ilumine sempre muitos caminhos.

Governo da vaga lembrança


Carta Aberta ao senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Por Noma leite Aquilino

Eu sou uma professora. Uma simples educadora que acredita que seu papel é mais do que ensinar fórmulas ou teorias gramaticais. Por isso procuro compreender fatos para também orientar meus alunos nos caminhos da compreensão dos acontecimentos. Meu trabalho é feito mais de perguntas do que de respostas.

Pois bem, nos últimos meses, creio que o povo brasileiro tem se encontrado aturdido, diante de inúmeras questões não ou mal respondidas. Em vão ele tenta ler e ouvir tudo o que é possível, atordoadamente busca relacionar fatos, tirar conclusões, enfim, procura não cometer injustiças em seu julgamento, embora, diante de tantas novidades diárias, fique difícil tal isenção. Insana tarefa. Hercúleo trabalho para aqueles que imaginavam que os problemas trazidos à baila fizessem parte de um outro contexto histórico, em que coronéis dominavam a cena política e os políticos eram forjados nessa mentalidade do poder a qualquer preço.

No entanto, por mais que as questões atuais sejam complexas e exijam longo tempo de investigação, há uma pergunta, apenas uma que parece não querer calar, recusa-se a esperar por uma resposta a longo prazo - talvez porque tenhamos sido por demais sonhadores, talvez porque muitos continuem a resistir bravamente a abandonar o barco.

A interrogação que a muitos inquieta parece ser: se Vossa Excelência pertence a um partido que tem como bandeira não somente a ética, mas a discussão coletiva e as resoluções conjuntas, como, nos momentos de crise, todos, absolutamente todos os seus integrantes de maior expressão insistem em propagar aos quatro ventos que nada sabiam? Que tudo foi urdido por traidores - figuras patéticas em cujos ombros foram depositadas as culpas?

Olhar e ouvir, meses atrás, o Sr. Delúbio Soares ou mesmo o Sr. Silvio Pereira foi algo deprimente. Limitação no falar, na articulação de pensamento, omissões voluntárias, mentiras imperdoáveis. Assistir a um depoimento do Sr. Marcos Valério – sapo de fora que nada tem a ver com a história do partido – foi brutal. Pessoas que tropeçam no vocabulário, na morfologia e na sintaxe tanto quanto tropeçaram na sujeira em que se envolveram.Querem os governantes desse país dizer que o partido foi entregue a eles, sem a menor cobrança e critério? A essas degradantes figuras? Ombros largos, muito largos têm esses senhores...

Ver o Sr. José Dirceu a tudo desmentir com rosto impassível, olhar perdido no vazio, gestos contidos ou treinados, foi estarrecedor. Tentou-se manter a dignidade por meio da negação ou da omissão. O pior de tudo, no entanto, assistimos logo a seguir, em seu pronunciamento inicial, diante das acusações: Vossa Excelência estava diante do inesperado porque simplesmente fora traído. O PT devia pedir desculpas por um comportamento que parecia nada ter a ver com o senhor, principal representante da entidade. Demonstrou indignação porque tudo desconhecia. Com essa fala, simplesmente abandonou o partido que gerou e no qual foi gerado. O partido que não somente lhe deu sustentação política, mas, também, financeira, a própria sobrevivência. O partido que lhe deu a cara, a voz, os gestos. O partido que o fez presidente, após tantas batalhas.

Sr. Presidente, eu não busco ensinar a meus alunos a perfeição porque no árduo caminho percorrido pelo homem ela é uma ilusão, algo que faz parte do ideal e jamais será alcançada. Sabemos que o erro faz parte do crescimento. Mas sempre espero poder dizer-lhes que nosso dever é assumir nossos atos, sejam eles quais forem, ainda que sejamos severamente punidos pela inconseqüência cometida. Só assim resgataremos nossos princípios e sairemos mais fortalecidos de qualquer crise. Somente dessa forma poderemos readquirir a fé em nós depositada e a possibilidade de olhar no espelho com dignidade.

No momento histórico vivido, meses atrás, convenientemente Vossa Excelência esqueceu-se de que o princípio maior do PT, sua grande marca, sempre foi a discussão interna, com decisões coletivas – eixos norteadores da construção da cidadania. Nesse momento esquecer-se desses quesitos foi fundamental, não é verdade? Só assim Vossa Excelência poderia eximir-se, salvar-se isoladamente, escudando-se na falsa ignorância. Nada em sua atitude parece aludir à responsabilidade individual, nada remete ao assumir corajoso que enobrece e dá exemplo. Aquele em que crianças e jovens espelham-se.
Hoje, alia-se ao PMDB. Busca trocar cargos de estatais por apoio político indispensável à sua candidatura. Uma vez mais, vale qualquer coisa pelo poder. Vê-lo ao lado de uma figura como Orestes Quércia é algo indescritível. Incompatível com o partido que o senhor representa. Ouvi-lo dizer aos quatro ventos como é "fácil governar para os pobres" - que não reclamam - também é espantoso.

Eu sou simplesmente uma educadora. Não compreendo mesmo nada de política e das formas de sobrevivência nesse mar em que o senhor busca salvar-se, debatendo-se em meio aos tubarões. Mas, seguramente, sei que não é esse o jogo que desejo ensinar a meus alunos. Não espero deles que abandonem seu grupo, desvencilhem-se do ônus de suas faltas e proclamem-se traídos, quando apanhados em qualquer deslize ético. Eu sou somente uma educadora. E talvez, por isso mesmo, eu espere daqueles a quem cabe dar o exemplo, algo maior. Algo que os diferencie como líderes da grande massa.

A propósito: quem mesmo foi traído nesse episódio? Vossa Excelência, o partido ou a sociedade?

quinta-feira, julho 06, 2006

Como dizia o mestre...

O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando.
Afinam e desafinam.

Guimarães Rosa – Grandes Sertões Vereda


Bom é saber que sempre há uma saída e que nada, nada é definitivo...

Reinvenção





Cecília Meireles

A vida só é possível reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... — mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível reinventada.
Vem a lua, vem, retira as
algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço...
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível reinventada.


Cecília Meireles

O retorno às aulas ou...o teu lugar.

Por Norma Leite Aquilino


Vem tomar o teu lugar
Na perdida embarcação
Importante é viajar
Por estranha região
E se não tiver destino
Bem melhor então será
Sonho de todo menino
É poder se aventurar
Libertar o coração
Cultivar a emoção
Pra saber se vai chegar
Onde a dor não pode alcançar

Jorge Simas - Délcio Carvalho

O teu lugar...Retorno às aulas... Dizem que grandes compositores, os que aprenderam na escola da vida, têm muito a nos ensinar. A nós que sempre pensamos ter o domínio do saber, sempre imbuídos do desejo de acertar, que planejamos tudo com cuidado meticuloso, com passos a serem seguidos, roteiros de estudo, extensos programas e planejamentos.
O professor, que procura sempre novas fontes de alimento, através de reciclagens permanentes, de leituras específicas, realiza, sem dúvida, uma tarefa essencial para seu crescimento. Não há como fugir do novo, dos estudos recentes. Inerente à qualquer profissão, a busca do conhecimento parece ser prioritária e mais urgente quando se fala em educador. Tal necessidade ganha mais força ainda quando pensamos no profissional de um país como o Brasil, de dimensões continentais, com tantos desafios e desmandos, desigualdades...

O teu lugar... A letra do poeta remete à perdida embarcação, à viagem, à aventura, ao sonho. Essas são palavras que parecem um pouco perdidas quando imaginamos o educador tomado por cursos e palestras de reciclagem, detentor do conteúdo acadêmico, por vezes árido e técnico. De que maneira transformar esse saber teórico adquirido, colocá-lo em prática? Se a teoria é imprescindível, como fazer dela nossa aliada em lugar de mera informação?
O professor parece precisar de mais nesse percurso. O conhecimento adquirido parece não suprir alguns anseios.Sua bela e árdua tarefa, a de educar, pede, por muitas vezes, a aventura, a busca do desconhecido.
A maravilhosa viagem do educador por estranhas regiões parece ser aquela em que o medo do erro não existe, em que se aprende pela prática, por meio do ir e vir permanentes, da ousadia do experimento. Aquela saudável ousadia que lida com ansiedades e angústias ao lado das alegrias, conquistas e prazer. Impossível realizar tal tarefa sem emoção.

O teu lugar... Libertar o coração é soltar as amarras que nos prendem tão fortemente ao racional. Racional representado pelas aulas metodicamente planejadas, por carteiras enfileiradas, por aulas puramente discursivas, por programas a serem cumpridos tendo em vista o vestibular, por notas e boletins matematicamente corretos.

Hum... uma desordem? Uma bagunça? E por que não? Algumas desordens fazem parte quando se quer construir o novo. O que pensamos nós que ocorre hoje em nossas salas de aula que não seja desordem? Alunos inquietos, dispersivos, por vezes violentos, desrespeitosos em relação aos amigos e professores. O que aí está parece refletir o caos instaurado numa sociedade onde a ausência de limites e a falta de afeto pelo outro predominam.
A escola parece reproduzir e acentuar essa violência. De forma consciente? Não. Os professores parecem precisar de ajuda. Percebem o que ocorre à sua volta, mas não parecem vislumbrar caminhos mais rápidos e eficazes para reverter o quadro.



O teu lugar... não é teu somente... Perceber a emoção e procurar lidar consigo mesmo parece ser o primeiro passo.Quando o educador reconhece seus sentimentos passa a enxergar de forma verdadeira o aluno. Lidar com nossa emoção é reconhecer limites, mas é também ultrapassar fronteiras, é saber que aquilo que nos incomoda tanto no outro pode ser reflexo de nós mesmos ou sinalizar o que não caminha bem em nossa prática de sala de aula. O aluno denuncia, a todo instante, o que não vai bem... ele o faz de diferente formas, no verbal, com gestos, no trabalho não apresentado, nos gibis que correm soltos pela aula, nas conversas paralelas. Mas nosso foco parece estar permanentemente nas locuções adverbiais, nos algoritmos, .. nas retas paralelas, no clima e na vegetação....

Até quando os programas serão uma camisa de força? Por quanto tempo insistiremos em não reconhecer que dar conta da tarefa de educar é diferente de cumprir conteúdos? Quanto tempo mais levaremos para perceber que a avaliação é mais, muito mais do que notas expressas em boletins? E que crianças e jovens não são seres a serem medidos e classificados em fracos, médios, bons e ótimos? Por quanto tempo reiteraremos a violência que se vê nas ruas, nos meios de comunicação, nos círculos familiares?
Parecemos não nos dar conta de que nossa autoridade é e pode ser exercida de maneiras mais produtivas. Ignoramos que a verdadeira disciplina e admiração ao mestre nascem do respeito ao seu saber e à sua visão maior do mundo... que aquilo que nossos jovens levarão consigo, ao sair dos bancos escolares, precisa ser a lembrança de um mestre que neles descobriu virtudes, redirecionou o que estava fora do eixo e, mais do que tudo, lhes deu esperança.

O nosso lugar... Pensar em transformação significa não só olhar a nós mesmos, mas a todos que cercam nosso trabalho: alunos, colegas professores, coordenadores, direção, famílias. Olhar como pedem ser olhados, com seus limites, falhas, competências, acertos e erros. Quando direcionamos nosso olhar para a realidade e a assumimos tal qual é, podemos também redirecionar nossa ação para pequenos, mas significativos atos que indiquem que todos fazem parte de um grupo. Um grupo que tem em comum objetivos maiores e que, para isso, precisa pensar grande. Pensar grande implica em aparar arestas, descartar o insignificante, selecionar o fundamental. Refletir de forma maior quer dizer buscar, dentro de nós e com a ajuda de parceiros, conquistas, fracassos, vitórias, desacertos, enfim, tudo aquilo que nos ilumine para encontrar caminhos. Isso se faz com humildade e determinação. Com esforço, persistência e, principalmente, com amor e solidariedade.

Parecem ser essas algumas das virtudes que o mundo diz que precisam ser ensinadas a crianças e jovens. Então por que não começar por nós mesmos? Talvez seja o que nossos alunos nos queiram dizer a todo instante com sua impetuosidade, seus momentos agressivos. Sábios jovens que parecem estar no mundo para nos ensinar, a cada dia, nosso ofício.
Quando nos desvencilhamos de determinadas armadilhas, criadas por nós mesmos, conseguimos ter sonhos e, por meio deles, abrir mão de receitas pré-determinadas e vislumbrar caminhos. E, o mais importante, conseguimos suavizar o trabalho, resgatando o sentimento mágico do gosto e da paixão.

Comece por desatar os nós... pequenos nós que aprisionam... que nascem dentro da sala de aula, espaço onde a fantasia, a criação e o prazer precisam estar presentes. Comece no pequeno, o importante é dar início...
E... chame seus amigos, seus colegas de profissão nessa caminhada. Mostre aos alunos que, se a transformação começa no individual, ela se reforça no grupo, de forma saudável e madura...


Vem deixar distante a sensação de ser sozinho
Que teu peito amante sente falta de carinho
Vem olhar as cores do horizonte refletindo
Todo colorido da aventura que virá
Vem perder o medo, que te prende e te reprime
Vem saber que é crime não querer se libertar
Vem amar por amar
Cantar toda a canção
Vem tomar teu lugar na velha embarcação

Jorge Simas – Délcio Carvalho

Seu filho começa a escrever, e agora?



Por Norma Leite Aquilino

Seis anos...Seu filho está crescendo. Sente isso nos pequenos detalhes: ao tomar banho de forma mais independente, na escolha e na troca de roupas, ao preparar sozinho seu pão pela manhã. Sua linguagem está, a cada dia, mais elaborada...garoto bem informado, fica atento à TV, às músicas de sucesso, às notícias veiculadas a todo instante. Rápido no pensamento, parece não hesitar ao lhe responder qualquer questão. As crianças de hoje parecem tão mudadas! Tão diferentes e rápidas para tudo! A todo instante você se surpreende, como se essa geração já nascesse com uma série de questões resolvidas, já pré-determinadas.

Talvez por isso, muitos pais, ao se depararem com registros escritos por seus filhos, por volta dos seis, sete anos anos, se surpreendam e, muitas vezes, se assustem. Alguns, por acharem que essas crianças, tão repletas de informação, desde pequenas, devessem escrever melhor...outros, porque comparam sua própria escrita, quando criança, à escrita de seus filhos hoje: "Ah... no meu tempo, escrevia-se com menos erros.."

Pois bem. Justamente porque o mundo mudou e os educadores, através de pesquisas, buscaram compreender como as crianças pensam, o olhar sobre a alfabetização também foi alterado.
Hoje é sabido que se apropriar da linguagem escrita não é tarefa simples. Ela envolve, por parte de quem o faz, a reconstrução de um sistema construído pelo Homem através de séculos. No caso de seu filho, essa apropriação tem um significado muito mais amplo do que a simples cópia, do que o traçado correto das letras, do que o mecânico decodificar de sílabas. Para ele, aprender a escrever significa ousar, correr riscos, expor-se. Por isso, colocar a sua escrita no papel, seja ela qual for, envolve crença em si próprio, autoconfiança. Escrever histórias e casos é também tomar consciência de que essa escrita tem uma função: tornar-se objeto de leitura para outras pessoas.

É diante desse quadro que os adultos devem se situar. Qual é o seu papel nesse processo tão rico? De que maneira ajudar essa criança a encontrar caminhos? Nesse momento tão especial, início da aprendizagem, a maior contribuição do adulto, pai ou professor, traduz-se no respeito ao que a criança produz e crença em sua capacidade de crescimento, ainda que seus primeiros registros estejam distantes dos padrões esperados. Para tal é necessário que você se despoje daquele senso crítico tão apurado que ceifa a autoconfiança; é imprescindível que a seu filho sejam proporcionados tempo e espaço para a escrita, que você escute dele o que acha daquilo que escreve e por que escreve daquela forma. É necessário dar-lhe tempo. É necessário dar-lhe espaço. Mas, acima de tudo, é fundamental transmitir, a todo instante, e através de caminhos diversos, a crença em seu potencial.

Isso não significa deixar de lhe dar informações sobre a escrita. Não. Como você bem sabe, seu filho é um menino esperto, sabe que seus registros são diferentes dos do adulto. E lhe faz perguntas. Responda, responda sempre. Mas lembre-se: há uma diferença entre lhe dar a informação, no momento solicitado, e esperar que ele compreenda e transfira para todas as situações de escrita, o que você lhe explicou. Lembre-se, também, de que, ao passar da oralidade para o papel, ele tem uma série de questões em que pensar: lembrar-se do traçado da letra, da disposição no papel, das questões ortográficas, da pontuação...e, junto com tudo isso, ainda precisa lembrar-se de sua história, de seus personagens, do enredo...Acha possível que dê conta de tudo?

Ah...como seria bom se você, pai ou mãe, parasse um pouco de enxergar "o quanto falta" , para perceber e se deliciar com "o quanto seu filho já conseguiu"! Veria coisas incríveis!

Escrever é tarefa que exige calma, persistência, gosto. Escrever é também tarefa que conta com o erro. Só se aprende a fazer, fazendo e...errando...para, posteriormente, pensar em alterações.É essencial mostrar a seu filho que, mais importante do que escrever tudo correto, num primeiro momento, é soltar a imaginação, voar com os pensamentos, criar uma história com gosto e paixão. A correção vem depois, paulatinamente.

Quando família e escola mostram às crianças que o erro faz parte do processo e que dele não se deve fugir; quando profissionais e pais abraçam-nas com seus acertos e desacertos (que bom que eles existem!), transformam-se em seus leitores reais, seus interlocutores por inteiro. Conseguindo isso, permitem que elas cresçam de forma mais sadia, livre, apaixonada e, principalmente, mais conscientes de que há uma longa estrada a ser percorrida com a ajuda de quem nela confia e a quem sempre poderá recorrer. Lembre-se, nesse caminho desafiante do conhecimento, professores e pais não são jamais os censores, mas os grandes aliados que, com sabedoria e lucidez, abrem trilhas, iluminam caminhos, redirecionam e, acima de tudo, permitem que as crianças aprendam a amar o trabalho intelectual.

Somos tantos, somos um só.



Operários
Tarsila do Amaral










Não somente operários, mas professores, advogados, domésticas, bancários, carteiros,médicos, office-boys, porteiros, enfim...todos que somos trabalhadores parecemos querer perguntar:
Como fazer valer a nossa voz?

Relembrando Brecht, sempre atual...

Quem construiu a Tebas das sete portas?
Nos livros constam os nomes dos reis.
Os reis arrastaram os blocos de pedra?
E a Babilônia tantas vezes destruída?
Quem a ergueu outras tantas?
Em que casas da Lima radiante de ouro
Moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros
Na noite em que ficou pronta a Muralha da China?
A grande Roma está cheia de arcos de triunfo.
Quem os levantou?
Sobre quem triunfaram os césares?
A decantada Bizâncio só tinha palácios
Para seus habitantes?
Mesmo na legendária Atlântida,
Na noite em que o mar a engoliu,
Os que se afogavam gritavam pelos seus escravos
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Ele sozinho?
César bateu os gauleses.
Não tinha ao menos um cozinheiro consigo?
Felipe de Espanha chorou quando sua Armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu, além dele?

Uma vitória em cada página.
Quem cozinhava os banquetes da vitória?
Um grande homem a cada dez anos.
Quem pagava as suas despesas?

Tantos relatos.
Tantas perguntas.


Bertold Brecht
1898 - 1956

A propósito, você se vê fazendo história?