sábado, dezembro 30, 2006

Receita de Ano Novo


Por Carlos Drummond de Andrade

Para você ganhar um belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido(mal vivido talvez ou sem sentido),
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior),
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, não precisa expedir nem receber mensagens (planta recebe mensagens?passa telegrama?).Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas,
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Natal na Ilha do Nanja

Por Cecília Meireles

Na Ilha do Nanja, o Natal continua a ser maravilhoso. Lá ninguém celebra o Natal como o aniversário do Menino Jesus, mas sim como o verdadeiro dia do seu nascimento. Todos os anos o Menino Jesus nasce, naquela data, como nascem no horizonte, todos os dias e todas as noites, o sol e a lua e as estrelas e os planetas. Na Ilha do Nanja, as pessoas levam o ano inteiro esperando pela chegada do Natal. Sofrem doenças, necessidades, desgostos como se andassem sob uma chuva de flores, porque o Natal chega: e, com ele, a esperança, o consolo, a certeza do Bem, da Justiça, do Amor. Na Ilha do Nanja, as pessoas acreditam nessas palavras que antigamente se denominavam "substantivos próprios" e se escreviam com letras maiúsculas. Lá, elas continuam a ser denominadas e escritas assim.

Na Ilha do Nanja, pelo Natal, todos vestem uma roupinha nova — mas uma roupinha barata, pois é gente pobre — apenas pelo decoro de participar de uma festa que eles acham ser a maior da humanidade. Além da roupinha nova, melhoram um pouco a janta, porque nós, humanos, quase sempre associamos à alegria da alma um certo bem-estar físico, geralmente representado por um pouco de doce e um pouco de vinho. Tudo, porém, moderadamente, pois essa gente da Ilha do Nanja é muito sóbria.

Durante o Natal, na Ilha do Nanja, ninguém ofende o seu vizinho — antes, todos se saúdam com grande cortesia, e uns dizem e outros respondem no mesmo tom celestial: "Boas Festas! Boas Festas!"

E ninguém, pede contribuições especiais, nem abonos nem presentes — mesmo porque se isso acontecesse, Jesus não nasceria. Como podia Jesus nascer num clima de tal sofreguidão? Ninguém pede nada. Mas todos dão qualquer coisa, uns mais, outros menos, porque todos se sentem felizes, e a felicidade não é pedir nem receber: a felicidade é dar. Pode-se dar uma flor, um pintinho, um caramujo, um peixe — trata-se de uma ilha, com praias e pescadores ! — uma cestinha de ovos, um queijo, um pote de mel... É como se a Ilha toda fosse um presepe. Há mesmo quem dê um carneirinho, um pombo, um verso! Foi lá que me ofereceram, certa vez, um raio de sol!

Na Ilha de Nanja, passa-se o ano inteiro com o coração repleto das alegrias do Natal. Essas alegrias só esmorecem um pouco pela Semana Santa, quando de repente se fica em dúvida sobre a vitória das Trevas e o fim de Deus. Mas logo rompe a Aleluia, vê-se a luz gloriosa do Céu brilhar de novo, e todos voltam para o seu trabalho a cantar, ainda com lágrimas nos olhos.

Na Ilha do Nanja é assim. Arvores de Natal não existem por lá. As crianças brincam com. pedrinhas, areia, formigas: não sabem que há pistolas, armas nucleares, bombas de 200 megatons. Se soubessem disso, choravam. Lá também ninguém lê histórias em quadrinhos. E tudo é muito mais maravilhoso, em sua ingenuidade. Os mortos vêm cantar com os vivos, nas grandes festas, porque Deus imortaliza, reúne, e faz deste mundo e de todos os outros uma coisa só. É assim que se pensa na Ilha do Nanja, onde agora se festeja o Natal.

Feliz Natal



Por Frei Betto

Neste Natal, Deus venha amado, desarmado, disposto a conter as iras do velho Javé e, surrupiado de fadigas, derrame diluvianamente sua misericórdia sobre todos nós, praticantes de pecados inconclusos. Venha patinando pela Via Láctea, um sorriso cósmico estampado no rosto, despido como o Menino na manjedoura, mãos livres de cajado e barba feita, a pedir colo a Maria e afago a José.

Traga com ele os eflúvios das bodas de Caná e, a apetitar nossos olhos famintos, guisados de ovelhas e cordeiros acebolados, sêmola com açafrão e ovos batidos com mel e canela. Repita o milagre do vinho a embriagar-nos de mistério, porque núpcias com Deus presente, assim de se deixar até fotografar, obnubila a razão e comove o coração.

Venha neste Natal o Deus jardineiro do Éden, babelicamente plural, disposto a fazer de Ló uma estátua de açúcar. E com a harpa de Davi em mãos, salmodie em nossas janelas as saudades da Babilônia e faça correr leite e mel nos regatos de nosso afeto.

Neste Natal, não farei presépio para o Javé da vingança nem permitirei que o peso de minhas culpas sirva de pedra angular aos alicerces do inferno. Quero Deus porta-estandarte, Pelé divino driblando as artimanhas do demo, acrobata do grande circo místico.

Minha árvore não será enfeitada com castigos e condenações eternas. Nela brilharão as chamas ardentes da noite escura a ensolarar os recônditos do coração. Venha Deus a cavalo, a pé ou andando sobre os mares, mas venha prevenido, arisco e trôpego e, sobretudo, desconfiado, à imagem e semelhança de minha indigência.

Enquanto todos comemoram em ceias pantagruélicas, vomitando farturas, iremos os dois para um canto de esquina e, amigos, dividiremos o pão de confidências inenarráveis. Deus será todo ouvido e eu, de meus pecados, todo olvido, pois não há graça em falar de desgraça num raro momento de graça.

Neste Natal, acolherei Deus no meu quintal, lá onde cultivo hortaliças e legumes, e darei a ele mudas de ora-pro-nóbis, coisa boa de se comer no ensopado de frango. Mostrar-lhe-ei minha coleção de vitupérios e, se quiser, cederei a minha rede para que possa descansar das desditas do mundo.

Se Maria vier junto, vou presenteá-la com rendas e bordados trazidos do sertão nordestino, porque isso de aparecer senhora de muitas devoções exige muda freqüente de trajes e mantos, e muita beleza no trato.

Que venha Deus, mas venha amado, pois ando muito carente de dengos divinos. Não pedirei a ele os cedros do Líbano nem o maná do deserto. Quero apenas o pão ázimo, um copo de vinho e uma tijela de azeite de oliva para abrilhantar os cabelos. Cantarei a ele os cantos de Sião e também um samba-canção. Tocarei pandeiro e bandolim, porque sei das artes divinas: quem pontilha de dourado reluzente o chão escuro do céu, e provoca o cintilar de tantas luzes, faz mais que uma obra, promove um espetáculo. Resta-nos ter olhos para apreciar.

Desejo um Feliz Natal às bordadeiras de sonhos, aos homens que prenham a terra com sementes de vida, às crianças de todas as idades desditosas de maldades, e a todos que decifram nos sons da madrugada o augúrio de promissoras auroras.

Também aos inválidos de espírito apegados ciosamente a seus objetos de culto, aos ensandecidos por seus mudos solilóquios, aos enconchavados no solipsismo férreo que os impede de reconhecer a vida como dádiva insossegável.

Feliz Natal aos caçadores de borboletas azuis, artífices de rupestres enigmas, febris conquistadores a cavalgar, solenes, nos campos férteis de sedutoras esperanças.

Feliz Natal às mulheres dotadas da arte de esculpir a própria beleza e, cheias de encanto, sabem-se guardar no silêncio e caminhar com os pés revestidos de delicadeza. E aos homens tatuados pela voracidade inconsútil, a subjetividade densa a derramar-lhes pela boca, o gesto aplicado e gentil, o olhar altivo iluminado de modéstia.

Feliz Natal aos romeiros da desgraça, peregrinos da indevoção cívica, curvados montanha acima pelo peso incomensurável de seus egos pedregosos. E aos êmulos descrentes de toda fé, fantasmas ao desabrigo do medo, néscios militantes de causas perdidas, enclausurados no labirinto de suas próprias artimanhas.

Feliz Natal a quem voa sem asas, molda em argila insensatez e faz dela jarro repleto de sabedoria, e aos que jamais vomitam impropérios porque sabem que as palavras brotam da mesma fonte que abastece o coração de ternura.

Feliz Natal aos que sobrevoam abismos e plantam gerânios nos canteiros da alma, vozes altissonantes em desertos da solidão, arautos angélicos cavalgando motos no trânsito alucinado de nossas indomesticáveis cobiças.

Feliz Natal aos que se expõem aos relâmpagos da voracidade intelectual e aos confeiteiros de montanhas, aos emperdigados senhores da incondescendência e aos que tecem em letras suas distantes nostalgias.

Feliz Natal a todos que, ao longo deste ano, dedicaram minutos de suas preciosas existências a ler as palavras que, com amor e ardor, teço em artigos e livros. O Menino Deus transborde em seus corações.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Escola pública ou particular?

A difícil decisão quando chega a crise...

O dinheiro está curto, o desemprego ronda e o padrão econômico das famílias tem sido profundamente alterado nos últimos tempos. No momento em que cortes de despesas se fazem necessários, os gastos com educação são seriamente avaliados.

Por Norma Leite Aquilino

A questão não é fácil. O sonho dos pais sempre é o de proporcionar a seus filhos o que de melhor há. No que se refere à educação, esse é um ponto indiscutível. A preocupação em oferecer ensino de qualidade é busca permanente e, muitas vezes, os sacrifícios são enormes para que o padrão seja mantido. Isso, porém, nem sempre é possível, uma vez que se vive num país em que qualidade de ensino está vinculada à escola particular. Infelizmente.
Quando os pais se vêem diante da inevitável transferência para o ensino público, medos e ansiedades afloram. Um misto de culpa e de preocupação com a realidade lida em jornais e ouvida em noticiários: violência, drogas, greves, professores mal preparados, enfim, assuntos freqüentemente associados à escola pública.

Preocupação generalizada

Hoje a grande discussão sobre qualidade de ensino, preparação dos docentes, entre outras questões, está em todos os lugares. Não se restringe à escola estadual ou municipal. Há inúmeras histórias na rede particular de ensino que fariam qualquer pai e mãe ficarem horrorizados. Nem todas as escolas pagas são ilhas de excelência, nem garantem que seus alunos fiquem distantes da dura realidade veiculada nos jornais e TV, saiba disso. Muitas possuem um custo altíssimo por belas instalações e piscinas aquecidas. Mas deixam a desejar no que se refere à formação de alunos e professores. Ensino pago necessariamente não significa ensino de qualidade.

Por isso, se a família vive o momento em que precisa rever seus padrões, é importante que avalie com racionalidade os reais benefícios que tem obtido da escola particular. A criança interessa-se pelo aprendizado? Tem conquistado espírito crítico, discernimento, autonomia? A escola dá conta de suas dificuldades? Acolhe a família como parceira? Refletir sobre esses aspectos é fazer com que a escolha seja feita em bases mais sólidas, com dados reais e pode trazer menos sofrimento na hora da decisão.

Um custo que vai além da mensalidade

Um outro fator a ser levado em conta refere-se ao círculo de amizades de seu filho. Mantê-lo numa escola particular não significa somente pagar as mensalidades. Há um padrão econômico esperado por todos e que pode trazer sofrimento à criança se não for mantido. Ele se reflete nas festinhas, nos tênis e nas roupas, no material escolar, nas viagens... Em muitos casos, há todo um contexto que, certamente, entrará em choque com o momento vivido pela família. Essas são questões difíceis e que, no dia-a-dia, refletem-se não só no bolso, mas podem confundir seu filho e criar conflitos em casa.

Colocando os pés nos chão...

Optar pela escola pública como saída para um momento difícil pode não ser tão terrível assim. Não, não se trata de dizer que é uma escolha fácil. Ela envolve alguns procedimentos importantes para que você esteja mais tranqüila e possa fazer essa passagem com maior segurança.

§ Converse abertamente com seu filho sobre a necessidade da mudança se essa for a saída encontrada. Não se inquiete com uma reação, a princípio, negativa. Ela pode não estar ligada necessariamente à escola pública. As crianças normalmente resistem, não desejam separar-se dos amigos, têm receio do novo...

§ Converse com pessoas de seu bairro que já tenham tido experiências na rede pública. Você pode ter dicas preciosas e se surpreender com algumas iniciativas...

§ Visite o maior número de escolas, estaduais e municipais, que puder.

§ Em suas visitas, exija o encontro com coordenadores. Peça-lhes informações sobre número de alunos por classe, reciclagem dos professores, como é feito o atendimento a pais e alunos com dificuldades escolares. Não tenha receio de ser chata. Ninguém está lhe dando nada de graça. Todos pagamos pela educação que é obrigação do Estado e direito de qualquer cidadão.

§ Informe-se sobre a existência de Associação de Pais e Mestres e sua atuação – sua presença pode fazer uma enorme diferença na qualidade de ensino.

§ Procure não valorizar tanto a aparência física da escola. Lembre-se, você está numa instituição pública, ainda carente de recursos. Isso não significa, necessariamente, que seus profissionais não sejam capacitados. O que está em jogo é a formação de seu filho. Inúmeras vezes a carência é substituída por criatividade e ousadia.

O papel de cada um

Para os pais, viver essa nova realidade é assumir uma nova condição – a de ser agente transformador. E sabe por quê? Porque a escola pública que aí está precisa exatamente de pessoas como você, que já viveram outra realidade e que sabem o que desejam para seus filhos. São essas as famílias que têm voz, argumentos e que podem dar uma contribuição efetiva para as mudanças. Optar por esse tipo de ensino significa mais compromisso, mais disponibilidade para acompanhar o processo e buscar, em parceria, caminhos.

Para as crianças, essa experiência pode significar olhar a realidade mais de perto, valorizar o que se tem em casa, aprender a lidar com a diversidade e com a tolerância... questões tão difíceis quando se vive num mundo voltado para as aparências e para o consumo. Não é tarefa fácil, mas você pode retirar desse novo momento, algumas lições preciosas. Lembre-se de que o lado positivo de qualquer crise é a descoberta de caminhos e pode ser uma oportunidade de fortalecimento.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Leitura, desafio de pais e professores


O hábito da leitura parece, num primeiro momento, fadado ao insucesso, quando se pensa em todos os apelos do mundo atual. Tudo parece ter prioridade, menos abrir um bom livro e com ele viajar em nossa imaginação.

Por Norma Leite Aquilino

Pois é. Quando as crianças são pequenas, tudo parece mais fácil. E é mesmo. Vivem um período de intensas descobertas a respeito do significado da palavra escrita. Ao mesmo tempo, são aventureiras, mergulham na fantasia, nos heróis e na imaginação. Tudo parece facilitar o contato com os livros nesse período. Não é por acaso que grande parte da literatura é direcionada ao público infantil – um público certo e definido.

Mas as crianças crescem. Nesse crescimento apropriam-se de diferentes tecnologias , absorvem muitas informações num tempo muito rápido por meio da TV, da Internet e de outros meios de comunicação. E tudo isso não é leitura? Sem dúvida alguma. Continuam lendo, o tempo todo, mas algumas parecem afastar-se pouco a pouco do contato permanente com os livros. Realizam-no como uma obrigação escolar, a duras penas. Lêem estritamente o necessário e, quando muito, se for cobrado algum tipo de avaliação escolar. E aí?

Lace-o pelo interesse

E aí que se isso for uma realidade para seu filho, há coisas que podem e devem ser tentadas para reverter o quadro. E quanto mais cedo, melhor. A primeira delas e, talvez, a mais importante, parece ser verificar os reais interesses da criança ou adolescente. Sempre há boa literatura disponível sobre qualquer assunto. Por que não começar focalizando aquilo que mais o mobiliza no momento? Aqui vale música, biografias, suspense, terror, enfim, o que for mais representativo e desperte o gosto de seu filho.O desenvolvimento da leitura com real significado está ligado à necessidade e aos interesses individuais. É nossa curiosidade permanente sobre vários assuntos o que permite a busca de diferentes textos, de diversos autores.

Ajudar seu filho a gradativamente criar fôlego para leituras mais profundas e complexas também faz parte do processo. Mas vá com calma. A princípio deixe-o bem livre para escolher.
Visitas à livrarias, bibliotecas circulantes podem ajudá-los, não somente em relação às diferentes opções para um mesmo tema, mas também no que diz respeito ao volume de texto para cada faixa etária.
Esse parece ser um caminho mais adequado, se houver resistência. Se a leitura é necessária, também é verdade que trabalhar com o desejo de ler é algo anterior.

A valorização da leitura obrigatória

Valorize, paralelamente, as leituras oficiais, pedidas pela escola. Aqui seu filho não tem saída. Então, se há resistência, ajude-o a enxergar a riqueza que tem em mãos. Isso pode ser feito de diferentes maneiras: converse sobre o assunto lido. Mostre-lhe outros livros com o mesmo tema ou outras obras do autor estudado. Isso tudo quer dizer: partilhe, em alguns momentos, suas impressões e escute o que ele tem a dizer sobre suas dificuldades, facilidades ou inquietações.
O papel dos pais,nesse momento, vai além da cobrança de uma boa nota na avaliação escolar. Espera-se que eles ajudem as crianças e jovens a perceber a real importância dos atos de leitura para seu futuro. Isso não se faz com longas explanações, mas muitas vezes, em conversas informais e pelo exemplo. Crianças criadas em lares em que os pais utilizam a leitura com prazer e de forma sistemática normalmente são leitoras mais fluentes e demonstram maiores facilidades no manuseio de textos.

O tempo certo

É muito importante que se tenha em mente uma coisa: há um tempo certo para que alguns valores sejam descobertos e cultivados. Em relação à leitura, parece ser básico que se desperte o gosto e a persistência na primeira e na segunda infância. Impossível reverter o quadro na adolescência e na fase adulta? Não, claro que não. Mas tudo pode ficar mais difícil diante da rebeldia juvenil. O envolvimento com a leitura é fundamental não somente para formar leitores competentes, mas adultos que escrevam com propriedade.

As perguntas que devemos nos fazer

Para que o ato de ler não se transforme, no futuro, em algo burocrático, os educadores, sejam pais ou professores, devem se perguntar sempre, desde muito cedo:

· Que valor realmente é dado pela família e pela escola ao trabalho com livros? É prioridade no tempo e nos gastos?
· Oferecemos material adequado para que as crianças maiores e jovens descubram a riqueza do bom texto?
· Conseguimos, por meio de nossos atos, valorizar a importância do mergulho no sonho e na fantasia em qualquer idade?
· Propiciamos material e ocasiões para o desenvolvimento do fôlego e da persistência na leitura de livros com textos mais extensos e vocabulário mais complexo?

Iluminar a trilha

Sabe-se que essas são questões iniciais para que se consiga formar um bom leitor. Deveriam estar presentes na vida dos pais desde muito cedo a fim de que, na adolescência, período conturbado e de grande transformação, os jovens buscassem na boa literatura possibilidades de respostas às inquietações, de viagens a lugares desconhecidos, de mergulho na fantasia.
Heloísa Prieto, escritora, diz que “ contar uma história é resgatar o próprio destino: descobrir a que sonhos pertencemos e encontrar caminhos para a própria vida.” Essas são sábias palavras não só para quem conta, mas para quem lê, para aquele que é capaz de se aventurar nos caminhos dos grandes contadores de histórias. Seu papel é um só: iluminar a trilha. Para tal, servem lamparinas, lanternas, holofotes ou mesmo velas. Mas ilumine. Sempre. Desde cedo e em todas as idades.

sexta-feira, outubro 13, 2006

Eu sou um professor


Por John W. Schlatter
Tradução de Tatiana Belinky
e adaptação de Guiomar Namo de Mello


Eu sou um professor.

Nasci no primeiro momento em que uma pergunta saltou da boca de uma criança.
Tenho sido muitas pessoas em muitos lugares.

Sou Sócrates estimulando a juventude de Atenas para descobrir novas idéias usando perguntas.

Sou Anne Sullivan, tamborilando os segredos do universo sobre a mão estendida de Helen Keller.

Sou Esopo e Hans Christian Andersen, revelando a verdade por meio de muitas, muitas histórias.

Sou Darcy Ribeiro, construindo uma universidade a partir do nada no planalto brasileiro.

Sou Ayrton Senna que transforma sua fama de herói esportista em recursos para educar crianças em seu país.

Sou Anísio Teixeira na sua luta de democratização de educação para que todas as crianças brasileiras tenham acesso à escola.

Os nomes daqueles que exerceram minha profissão constituem uma galeria da fama da humanidade: Buda, Paulo Freire, Confúcio, Montessori, Emília Ferreiro, Moisés, Jesus.

Eu sou também aqueles nomes e rostos que já foram esquecidos, mas cujas lições e cujo caráter serão para sempre lembrados nas realizações dos que educaram.

Já chorei de alegria em casamentos de ex-alunos, ri de felicidade pelo nascimento de seus filhos e me quedei de cabeça baixa, em dor e confusão, junto a sepulturas cavadas cedo demais para corpos jovens demais.

No decorrer de um dia, já fui chamado para ser artista, amigo, enfermeiro, médico e treinador; tive de encontrar objetos perdidos, emprestar dinheiro, fui motorista de táxi, psicólogo, substituto de pai e mãe, vendedor, político e guardião da fé.

Apesar de mapas, gráficos, fórmulas, verbos, histórias e livros, na verdade não tive nada a ensinar a meus alunos porque o que de fato eles têm de aprender é quem eles são. Eu sei que é preciso um mundo para ensinar a uma pessoa como ela é.
Eu sou um paradoxo. Quanto mais escuto, mais alta se faz ouvir minha voz. Quanto mais estou disposto a receber com simpatia o que vem de meus alunos, mais tenho para oferecer-lhes.

Riqueza material não faz parte dos meus objetivos, mas eu sou um caçador de tesouros, dedicado em tempo integral à procura de novas oportunidades para meus alunos usarem seus talentos e buscando sempre descobrir seu potencial, às vezes enterrado sob o sentimento do fracasso.

Sou o mais afortunado dos trabalhadores.

Um médico pode trazer uma vida ao mundo num só momento mágico. A mim é dado cuidar que a vida renasça a cada dia com novas perguntas, melhores idéias e amizades mais sólidas.

Um arquiteto sabe que, se construir com cuidado, sua estrutura pode durar séculos. Um professor sabe que, se construir com amor, sua obra, com certeza, durará para sempre.

Sou um guerreiro que luta todos os dias contra a pressão de colegas, a negatividade, o medo, o conformismo, o preconceito, a ignorância e a apatia. Mas tenho grandes aliados: a inteligência, a curiosidade, o apoio dos pais, a individualidade, a criatividade, a fé, o amor e o riso. Todos vêm reforçar minha trincheira.

E a quem devo agradecer pela vida maravilhosa que tenho senão a vocês, pais, que me honraram ao me confiar seus filhos, que são sua maior contribuição para a eternidade.

E assim tenho um passado rico em recordações. Tenho um presente desafiador, cheio de aventuras e alegrias, porque me é dado passar todos os meus dias com o futuro.

Sou um professor... e agradeço a Deus por isso, todos os dias.

terça-feira, outubro 10, 2006

Quando o professor faz a diferença



Inclinações por determinadas áreas, todos têm. Mas qual é a força de um professor para realçar essa tendência ou mesmo fazer com que os alunos descubram os mistérios e a beleza de determinadas disciplinas?

Por Norma Leite Aquilino




Não é novidade nenhuma a história daquele aluno que sempre teve horror à matemática ou à escrita e, quando adulto, sempre se referiu às suas dificuldades com verdadeira angústia. A rejeição à área, na grande maioria dos casos, aponta para a figura do professor. O adulto, ao explicar sua dificuldade, começa por descrever aspectos da disciplina, mas, invariavelmente, toca em outros: nas aulas meramente expositivas, nos exercícios sem significado, enfim, em estratégias utilizadas que não conseguiram, de alguma forma, mobilizar o estudante. Falar somente das estratégias seria minimizar o assunto. Na realidade, a didática utilizada pelos professores tem origem na sua concepção do que seja aprendizagem. E isso faz toda a diferença na sua postura em relação ao aluno, ao planejar aulas, propor um trabalho ou mesmo ao realizar uma avaliação. Essa forma de ação acaba por promover maior ou menor aceitação de algumas disciplinas. Em alguns casos, há verdadeira aversão, o que pode comprometer profundamente seu aprendizado e deixar lacunas sérias.

Ensinamentos de grandes mestres

Quando nos recordamos daqueles professores que marcaram nossa vida escolar, freqüentemente nos deparamos com figuras que não se detinham somente em sua disciplina. Seu pensamento era abrangente. Alunos respeitam professores que tenham o domínio da matéria, mas esse é somente um dos itens a serem considerados. Os grandes mestres sempre souberam que a especificidade só tem sentido quando o educador tem uma visão mais ampla do mundo e faz com que seus alunos percebam o maior.

Quando isso ocorre, aqueles aspectos técnicos são, muitas vezes, minimizados para que se consiga chegar à criança ou adolescente. Porque esse é o nó a ser desatado. Lidar com alunos que gostem do conteúdo, que tenham facilidades é simples. O grande desafio está em fazer com que os demais percebam caminhos e se descubram na área, procurando dar o melhor de si. Isso não se faz com exercícios enfadonhos, desprovidos de significado. Há que se ter paixão, gosto pelo ofício. Há que se ter paciência com os que ainda não enxergaram a beleza da disciplina. Mas, mais do que tudo, há que se ter a humildade de não usar o conhecimento e o poder da avaliação para destruir a auto-estima dos alunos.

Professor perfeito não existe

O educador que faz a diferença é um eterno pesquisador de conteúdos, de formas e de estratégias. É ousado, não tem medo do erro, tenta diferentes saídas para os problemas do cotidiano. Olha seus alunos nos olhos e conhece cada um para melhor poder atuar. Nesse olhar questiona sua dinâmica de trabalho, refaz o percurso, corrige as rotas. Sabe que é falível e que não escolheu uma profissão fácil. Por isso mesmo, não se escuda em eternas desculpas para alguns fracassos que possam acontecer. Ser educador, num país com tantas distorções e lacunas, é contar com problemas. Mas também é acreditar que existam saídas e que sua atuação aconteça a longo prazo. Significa perceber que deixa marcas e que estas podem alterar o rumo das coisas para melhor ou para pior.

Programa X sensibilidade

Bem, mas algo merece uma atenção especial quando pensamos no professor que atua de forma diferenciada: a sensibilidade para perceber que, se possui um conteúdo a cumprir, tem também, diante de si, uma classe heterogênea que, necessariamente, pode não atender a algo previamente estabelecido. A percepção, o jogo de cintura para lidar com o que a moçada traz altera rumos e tem o poder de transformar a aula em algo mais verdadeiro, dinâmico. E, convenhamos, esses jovens nunca estiveram tão repletos de informações! Jamais precisaram tanto de educadores que soubessem ouvi-los, a fim de canalizar esse conhecimento bombardeado, veiculado de maneira fugaz, mas intensa.

Equilibrar a programação acadêmica com o currículo oculto e, muitas vezes, utilizar esse currículo a favor da disciplina, dá sentido à aprendizagem. E os alunos parecem pedir isso. Querem saber por que estudam determinados conceitos, qual sua aplicação, enfim, o que farão na vida prática com alguns conteúdos. Nesse sentido, é fundamental que teoria e prática caminhem de mãos dadas.

O prazer, o bom humor e a energia

Cada professor tem características diferenciadas no exercício de seu ofício. Mas se há algo que contamina os alunos é ver na figura do mestre o prazer e o gosto pelo que faz - ainda que o percurso seja árduo, duro, permeado por dificuldades. Quando o prazer deixa de existir, a batalha está perdida. Não há teoria ou técnica que dê conta. E para que o gosto seja maior do que o desgaste do cotidiano, nada como o humor, a leveza para lidar com alguns assuntos pesados e os momentos que propiciam o “recarregar das baterias”. Sim, professor precisa de energia e essa não vem só da sala de aula. Vem do alimento com seus colegas de trabalho, das leituras e cursos de aprimoramento realizados, das atividades culturais a que tem acesso. Esses são elementos que dão ao profissional a visão mais abrangente e a flexibilidade tão necessária para a batalha diária! Professor sozinho e isolado realiza sua tarefa de forma incompleta e, mais cedo ou mais tarde, os reflexos se fazem sentir em si próprio e na turma.

Feitiço necessário

Finalmente é preciso ressaltar que, por mais que crianças e adolescentes tenham tendências por alguma área acadêmica, o bom professor faz milagres quando se dispõe, de coração aberto, a encontrar um caminho para os mais resistentes. Na realidade, eles têm a necessidade de se sentir capazes, de acreditar em seu potencial. O educador precisa saber mostrar-lhes primeiramente não “o quanto falta”, mas aquilo que já conseguiram. Ainda que sejam poucos, os pequenos progressos precisam ser valorizados. Alguns conteúdos precisarão ser cortados. Algumas técnicas e procedimentos, alterados. Não importa. Vale tudo quando se quer “enfeitiçar” alunos... Enfeitiçá-los pelo conhecimento não é tarefa para iluminados. Não. É para quem tem a humildade de reconhecer que há algo maior do que o programa, do que as notas do boletim, do que aquilo que os livros didáticos trazem: o gosto, o prazer pelo que estão aprendendo, ainda que aquela não seja sua área de maior facilidade.

Há receitas? Não, não há receitas prontas e acabadas, mesmo porque cada aluno é um e cada classe tem uma dinâmica. Mas se não há receitas, precisa haver, no mínimo, algumas diretrizes e um bom cozinheiro - que saiba selecionar e misturar ingredientes, que experimente os temperos, que pesquise o tempo certo do forno... Mais do que isso: um cozinheiro que ouse e não tenha receios - que se permita errar e, com o erro, busque a dose mais adequada do sal, da pimenta, da água e do azeite. Que suje suas mãos na farinha e nos ovos...

O conhecimento pode ser um banquete com direito a muitos aromas, sabores, entradas, aperitivos e pratos principais. Com a diferença de que, para prepará-lo, não basta o profissional especialista, mas os aprendizes, com suas colheres que acrescentam, seus garfos que espetam, suas facas afiadas a cortar, mas sempre com suas terrinas prontas a serem preenchidas. Desde que se saiba abrir o apetite, é claro!

quarta-feira, setembro 20, 2006

Salvar o ano?


Essa pode ser uma época difícil para os pais: segundo semestre, boletins com notas baixas e pedidos da coordenação para um acompanhamento paralelo. Como saber o que é melhor? A quem recorrer?

Por Norma Leite Aquilino


Passar de ano... As famílias, nesse momento, ficam tão ansiosas com os resultados das avaliações formais e com a busca de soluções que, muitas vezes, atrapalham-se com os caminhos. O que importa é salvar o ano. Compreensível que se pense assim, se imaginarmos tudo aquilo que acompanha uma repetência. Mas, como cada caso é um caso, é necessário que se reflita sobre a situação específica da criança que apresenta dificuldades de aprendizagem. Em algumas circunstâncias, uma pequena ajuda de outros profissionais pode ser a saída. Porém, vá com calma: há ocasiões em que tentar solucionar de forma rápida o problema pode significar agravá-lo.

Professora particular ou psicopedagoga?

Ambos os profissionais têm atuações importantes, quando o colégio não consegue sanar as dificuldades. Mas são indicados em situações diferenciadas.
As escolas desenvolvem seus conteúdos, ao longo do ano letivo, de forma que um assunto desencadeie outro e se entrelace com outros tantos. Se o seu filho não foi bem porque não entendeu um determinado conteúdo, provavelmente essa dificuldade se somará a outra no próximo bimestre.
O ideal é que haja recuperação do tema não compreendido, tão logo se perceba a dificuldade. Em alguns casos, a própria escola ou uma professora particular poderá resolver a questão. Aqui cabe analisar se a criança, de maneira geral, tem um bom desenvolvimento e é a primeira vez que apresenta baixo desempenho acadêmico. Cabe também averiguar se não conseguiu um bom aproveitamento em determinada matéria ou num conjunto de matérias afins. Esses dados farão diferença no tipo de recuperação que se recomenda e em seu tempo de duração.

É importante que os pais se conscientizem de que o professor particular e a psicopedagoga são profissionais com formação distinta e, portanto, com atuações diferenciadas. A professora particular é uma especialista da área a ser recuperada. Sua ação é indicada, normalmente, quando as questões são mais técnicas, bem localizadas, de rápida resolução, quando um ou outro conteúdo foi perdido, em função de qualquer eventualidade ou, em alguns casos, quando a dificuldade está centrada numa disciplina. Um trabalho que deveria ser realizado a curto prazo.


A questão pode ser maior

Uma criança ou jovem que teve um baixo rendimento no primeiro, segundo e terceiro bimestres, provavelmente não conseguirá recuperar o conteúdo perdido e, ainda por cima, corresponder ao quarto bimestre. Aulas particulares não adiantarão se o aluno se detiver apenas ao assunto que será cobrado na última avaliação. É necessária a retomada do matéria a partir do momento em que começou a apresentar sua dificuldade.
Importante estar atento às razões que levaram o aluno a não responder satisfatoriamente ao conteúdo em sala de aula e à maneira como seu professor ensinou. Esse é um indicador de que ele pode necessitar de uma outra forma de abordagem, do uso de outra metodologia. Em alguns casos, a defasagem é proveniente do ano anterior. Há, então, necessidade de se retomar um longo percurso, reconstruindo toda essa trajetória numa seqüência lógica e encadeada, a fim de que se recupere o que foi perdido.

Uma visão mais ampla

Nessas circunstâncias, muitas vezes, entra em cena a psicopedagoga por ter uma formação diferenciada. Sua preocupação é o ser que aprende, sua grande meta é trabalhá-lo com o objetivo de torná-lo autor de seu processo de aprendizagem. Mais do que o mero conteúdo, é levado em conta como o aluno se relaciona com o saber em qualquer área do conhecimento. Para tal irá trabalhar com o desenvolvimento de habilidades tais como raciocínio lógico, linguagem oral e escrita, entre outras.

Essa profissional é de grande auxílio quando a escola, ao esgotar todos os recursos, busca outras formas de atuação. Por meio de uma avaliação psicopedagógica (que inclui a reconstituição da vida da criança e a avaliação nas áreas pedagógica, cognitiva, afetivo-social e corporal), ela tem condições de detectar a origem da dificuldade e os desvios ocorridos, a fim de orientar a família sobre a terapia mais indicada.

Essa ampla avaliação, seguida de diagnóstico e tratamento corretos, evita, em muitos casos, que determinadas crianças e adolescentes passem anos com a “bengala” do professor particular, eficaz em determinados casos, mas improdutivo quando as causas são mais profundas.

Salvar o ano ou aprender?

É necessário, embora difícil, que os pais percebam seu filho sob o ponto de vista do aprendiz e não somente por suas notas. O que ele está conseguindo compreender e produzir de forma significativa? Tem crescido com autonomia? Está envolvido com seus trabalhos escolares? Encontramos inúmeras famílias alimentando a manutenção do pensamento de que salvar o ano é tirar determinada nota que favoreça seu filho e evite a repetência. E a sua aprendizagem? Ele pode passar de ano, mas... como será o próximo? Até onde a criança ou o adolescente conseguirá driblar a defasagem na matéria? Todo conhecimento necessita de um tempo para amadurecer e se transformar em saber... e os tempos são diferentes para cada um.

Aprender significa mais do que ir bem nas provas formais, realizadas pela escola. O conhecimento é instrumento que nos habilita à inserção social e nos garante a sobrevivência com dignidade e qualidade de vida. Nesse sentido, o que deveria ter peso, mais do que passar ou não de ano, é a forma como a criança se relaciona com o conhecimento e se tem condições de, competentemente, viver com adequação e sabedoria.

Por isso, só a informação, adquirida para cumprir um programa, não basta. Torna-se mecânica, esvaziada de sentido e, brevemente, esquecida. O que fará toda a diferença é como seu filho a elabora e a transforma em aprendizagem.

sexta-feira, setembro 01, 2006

O Analfabeto Político

O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala,
nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,
do peixe, da farinha,do aluguel, do sapato
e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha
e estufa o peito dizendo que odeia a política.
Não sabe o imbecil que da sua ignorância política
nasce a prostituta, o menor abandonado,
e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista,
pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo.
Bertold Brecht

sexta-feira, agosto 25, 2006

A arte de ser avó


Por Rachel de Queiroz

Quarenta anos, quarenta e cinco. Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem suas alegrias, as sua compensações - todos dizem isso, embora você pessoalmente, ainda não as tenha descoberto - mas acredita.
Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade.
Não de amores nem de paixão; a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos cheios de problemas, que hoje são seus filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento e prestações, você não encontra de modo algum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres - não são mais aqueles que você recorda.

E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis - nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino que se lhe é "devolvido". E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito sobre ele, ou pelo menos o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo ou decepção, se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho a certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis.
Aliás, desconfio muito de que netos são melhores que namorados, pois que as violências da mocidade produzem mais lágrimas do que enlevos. Se o Doutor Fausto fosse avô, trocaria calmamente dez Margaridas por um neto...

No entanto! Nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não importa que ela, em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe do neto. Não importa que ela hipocritamente, ensine a criança a lhe dar beijos e a lhe chamar de "vovozinha" e lhe conte que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas, nada mais. No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante nos triângulos conjugais. A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe banho, veste-o, embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.

Já a avó não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, "não ralha nunca". Deixa lambuzar de pirulito. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso dos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido, antes uma maravilhosa subversão da disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer croquetes, tomar café, mexer na louça, fazer trem com as cadeiras na sala, destruir revistas, derramar água no gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser - e até fingir que está discando o telefone. Riscar a parede com lápis dizendo que foi sem querer - e ser acreditado!
Fazer má-criação aos gritos e em vez de apanhar ir para os braços do avô, e lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação moderna...

Sabe-se que, no reino dos céus, o cristão defunto desfruta os mais requintados prazeres da alma. Porém não estarão muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o seu neto, numa manhã de sol. E olhe que aqui embaixo você ainda tem o direito de sentir orgulho, que aos bem-aventurados será defeso. Meu Deus, o olhar das outras avós com seus filhotes magricelas ou obesos, a morrerem de inveja do seu maravilhoso neto!

E quando você vai embalar o neto e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz "Vó", seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.
E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a mãe castiga, e ele olha para você, sabendo que, se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade.

Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menino - involuntariamente! - bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beicinho pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque "ninguém" se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Exércitos ou guerreiros?


O mundo não precisa de exércitos.
O mundo necessita de guerreiros.
Soldados cumprem ordens de chefes,
Guerreiros seguem o coração!
Mário Pirata

terça-feira, agosto 22, 2006

Em busca da vida real


Por Norma Leite Aquilino


Luzes artificiais dos shoppings, vida em condomínios fechados, pais que se transformaram em eternos motoristas: essa parece ser a realidade de boa parcela dos jovens.O que fazer?


O mundo moderno, com suas transformações, busca trazer mais conforto, menos desperdício de tempo, maior praticidade. Hum... pois alguma coisa está errada, algo não caminha como o desejado! Porque essa história não parece estar acontecendo de forma tão prática, nem tão suave assim para as famílias. Se não vejamos, responda rapidamente a algumas perguntas: você anda louca, pelo trânsito, levando e buscando as crianças na escola e nos cursos extras? Vive preocupada quando seu filho lhe pede para ir a pé a algum lugar? Ele conhece menos a luz do sol do que as luzes artificiais dos shoppings?

Como falar dos benefícios da modernidade se como pais, estamos todos, a cada dia, mais dependentes dos filhos e vice-versa? Esse é assunto longo, pois remete a uma série de questões, tais como: segurança, desejo de proporcionar o melhor, a vida acelerada da família, enfim, coisas do mundo atual.
Jamais as crianças e jovens tiveram suas agendas tão lotadas e nunca pai e mãe precisaram correr tanto para dar conta de tudo!

Refletindo um pouco sobre o passado

É necessário que nos lembremos um pouco de alguns hábitos que faziam parte, no passado, da vida de crianças e adolescentes. Pense bem, poucos pais tinham automóveis disponíveis para levar filhos à escola e mesmo a cursos extras, quando existiam. Era um outro perfil de classe média. Naquela época, desde muito cedo, as crianças e jovens adolescentes, eram impelidos a caminhar com suas próprias pernas. Conheciam melhor as ruas próximas à sua casa e as de bairros vizinhos. Viviam experiências, em seu cotidiano, que lhes proporcionavam situações da realidade: a vida da rua. Esse fato lhes permitia lidar mais seguramente e mais cedo com inúmeros episódios que propiciavam a necessidade de tomada de decisões, experiência fundamental para o crescimento.

Os nossos medos


Sim, os nossos medos... Ao relembrar esse passado, inúmeros pais refletem e pensam: “Mas o mundo mudou. Como deixar que meu filho faça as mesmas coisas tão cedo? A violência está na rua, em nossa esquina!” É fato. Estão cobertos de razão ao falar da alteração visível nas duas últimas décadas. Há cuidados que não podem ser desprezados no mundo em que os filhos estão inseridos. Mas aqui cabe uma pergunta: será que as famílias, imbuídas de seus medos e ansiedades, não vivem o extremo oposto? Não haverá, atualmente, uma proteção exacerbada quando se procura cercar os jovens, transformando seu universo em algo artificial e distante do mundo cotidiano? Não estaremos prolongando esse período de adolescência além da conta? Sim, todos sabem que sim. Nunca estiveram tão dependentes para as coisas básicas e, curiosamente, tão soltos para os prazeres da vida moderna: festas, bebidas, cigarros, cinema, sexo...

Direitos e deveres

Importante que, desde cedo, as crianças percebam que a cada direito corresponde um dever. E para que haja realmente entendimento dessa máxima, nada como delegar tarefas – pequenas e simples tarefas, distribuídas em doses homeopáticas, mas que lhes mostrem que nada nos é dado fácil. Há algumas, iniciadas aos 7, 8 anos, que podem parecer banais, mas seu alcance é poderoso: comprar pães na padaria, levar o cachorro para passear, buscar jornais ou mesmo providenciar algo que esteja faltando na mercearia ou supermercado mais próximo.

Isso causa aflição? Preocupa os pais? Sim, sem dúvida alguma. Precisarão dar conselhos sobre os cuidados a serem tomados: ser vigilantes em relação ao que acontece a seu redor, andar com pertences que não sejam de valor, cuidar do troco com atenção, enfim... uma série de atitudes que presumem cautela e responsabilidade. Mas representam os primeiros passos de uma independência que precisa ser desenvolvida ao longo dos anos. É o início para que, mais tarde, comecem a realizar percursos mais longos, aprendam a pegar um ônibus, a caminhar por ruas mais movimentadas do bairro, entre outras tantas iniciativas que denotam autonomia.

Aliviar a agenda dos pais

Isso mesmo. Se você se dispuser a semear, gradativamente, um pouco desse espírito autônomo nas crianças, sem dúvida alguma isso reverterá em benefícios também para você, quando forem jovens: evitará ou minimizará a loucura de, constantemente, estar correndo de um lado para o outro em função dos inúmeros e, muitas vezes, insanos compromissos que assumem.

Adolescentes que caminham com as próprias pernas repensam uma série de atividades e horários ao perceberem que são responsáveis por si mesmos. Sabem de seus limites e dos limites da família, o que faz toda a diferença ao planejar suas ações. Mais do que isso: ao sentir, na pele, o custo de seus anseios e decisões, passam a viver com os pés no chão e a valorizar e respeitar o tempo dos pais.

A idade correta para esses pequenos atos de liberdade vigiada dependerá muito do perfil da criança ou jovem e da sua sensibilidade para perceber a hora certa para cada coisa. Cada filho tem suas peculiaridades e esse fato é fundamental na decisão.

A coragem para ousar

Só é possível confiarmos na capacidade dos filhos se nos propusermos a soltá-los em doses homeopáticas e, com isso, ensiná-los a agir com discernimento. Imprevistos ocorrerão? Sim, não duvide. Perderão dinheiro, gastarão em bobagens, inicialmente, mas se aprende a fazer fazendo. Sustos também fazem parte? Fazem. Correm riscos? Correm. Mas pense um pouquinho: os riscos hoje estão em toda a parte: no pátio da escola, na porta da sua casa, na saída do cinema do shopping... e você não estará lá para cuidar de tudo. Ilusão achar que os filhos crescem em segurança simplesmente porque são monitorados pelos pais o tempo todo. Reflita, também, sobre o sentimento de satisfação que se proporciona aos pequenos quando se deixa que percebam que são capazes, que podem dividir pequenas tarefas, que a família neles confia.

Se ainda isso não bastar, lembre-se de que o mundo de hoje pede aos jovens, cada vez mais cedo, espírito crítico, independência e sabedoria para lidar com os imprevistos. Exige que saibam ler a realidade que os cerca e que sejam responsáveis por suas ações. Isso não se alcança de uma hora para outra, muito menos numa redoma, distante do mundo real. Conquista-se em contato permanente com o sol, vento no rosto, garoa fina e pessoas que transitam pelas ruas. Nesse novo ano que começa, retire um pouco suas protetoras asas e dê-lhes a oportunidade de ousar e experimentar a vida que corre lá fora! Esses pequenos vôos representarão o início de jornadas mais reais, verdadeiras e, principalmente, mais carregadas de significado para todos.

sexta-feira, agosto 18, 2006

Nada é impossível Mudar

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural,
nada deve parecer impossível de mudar.
Bertold Brecht

quarta-feira, agosto 16, 2006

Voto, do exercício à consciência


Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Mãos dadas
Sentimento do Mundo
Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, agosto 11, 2006

terça-feira, agosto 08, 2006

Desbravando mares ou quando, mais do que nunca, é preciso ser pai

Por Norma Leite Aquilino

Quero o mar alto, o mar grande
Por favor, não me mande de volta, mais não
Não quero cais, outro porto,
Não mais o mar morto da minha ilusão,
Prefiro ir à deriva,
Me deixe que eu siga em qualquer direção
Eu sou de um rio marinho
O mar é meu ninho, meu leito e meu chão...
Paulinho da Viola


A imagem fala por si só. O mar que é mistério, o desconhecido que assusta e fascina. As águas salgadas, que significam o caminho da conquista (Oh, mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal...já disse o poeta em tempos idos...).
Pois falar de pai é também falar de um oceano, ora em calmaria, ora em turbulência, com ondas imensas...Nos tempos de hoje, então...Ah...esse mar nunca esteve tão revolto...esse pai inquieto. Esse mar jamais possuiu vagas tão enormes...esse pai a buscar caminhos, a se debater ferozmente.

Sua, no passado, foi sempre a tarefa de provedor do lar, mas parece que a briga, embora suada, não exigia os implacáveis esforços de hoje. Sim, porque a luta do agora não significa somente abrir frentes no mercado de trabalho, estudar. O embate hoje, sabe você, significa encontrar espaço em sua casa...buscar o lugar que ocupa dentro de sua família. Respostas para o seu papel. Sabe do que se fala aqui, não sabe? Sabe, sim...

Sabe o que é chegar em casa, cansado e...não encontrar sua esposa (ela está viajando, a negócios). Sente, na pele, o que é precisar de uma camisa,não está passada (a reunião vai até tarde, avisa ela ao telefone). Pensa consigo mesmo:tudo bem, enquanto são só roupas, a comida, a casa...Mas e as crianças???? Onde está essa mulher? Ela tem deveres, uma família.Meio de campo embolado.Você tenta preencher as lacunas. Troca fraldas, ajuda no dever de casa (como mesmo ensinar essa tal de matemática hoje em dia? mas essa menina está escrevendo errado...), esquenta a comida. Essa mulher não chega? Do seu jeito, procura colocá-los na cama, olha o relógio. A cidade está tão perigosa... nem isso ela compreende! Eu, aqui, com os garotos e simplesmente um breve aviso ao telefone!

Difícil localizar a contrariedade. O panorama não é simples, mesmo. São momentos em que o racional mistura-se com a emoção. Sabe da importância dessa mãe no mercado de trabalho, seja por necessidade financeira, seja por realização pessoal e profissional. Você lhe deu apoio, disse que lhe daria a retaguarda mas, não consegue esconder sua inquietação quando ela chega e você a recebe com alguma dessas frases: “As crianças perguntaram por você...” ou “Precisei preparar o leite e está faltando açúcar..” ou ainda, de forma mais contundente, “Casou-se com aquele escritório?”

Os papéis parecem se misturar. Houve um tempo em que o pai sabia exatamente seu lugar, suas obrigações, deveres e direitos numa sociedade estruturada de uma outra maneira. Se à mãe cabia acolher, proteger sua prole, ao pai estava destinada a função de corte do cordão umbilical, do jogar os filhos para a vida. Surge a figura do mar, mesmo, o desconhecido oceano, metáfora da vida e de seus desafios.

Você, antes, realizava sua tarefa com relativa facilidade, tudo era tão definido! Como fazer o mesmo hoje, quando acumula muito das funções maternas? Como dar conta de tão importante missão se está profundamente envolvido com questões emocionais, afetivas e que também lhe exigem cuidados físicos e concretos em relação às crianças?
Esse pai nunca precisou de tanta ajuda, de tanto apoio...às vezes parece precisar de colo.

Guerreiros são pessoas,
São fortes, são frágeis,
Guerreiros são meninos, no fundo do peito
Precisam de um descanso, precisam de uma remanso,
Precisam de um sono
Que os torne refeitos
É triste ver meu homem, guerreiro, menino
Com a barra do seu tempo por sobre seus ombros
Eu vejo que ele berra,
Eu vejo que ele sangra,
A dor que tem no peito, pois ama e ama....
Gonzaguinha

Mas de colo, os homens sempre precisaram, eternos meninos, não importa a idade. Na realidade, pedem mais. Esse guerreiro necessita encontrar, além de caminhos profissionais, uma maneira de dividir com sua eleita companheira de percurso, a maneira de conduzir a educação de seus filhos, a forma de recuperar algo que sempre lhe pertenceu: o papel de soltar as amarras, apesar do olhar aflito da mãe, dos perigos do mundo...

Quando se pensa nos filhos de hoje, é inevitável a comparação com os filhos de ontem. Estabeleça o paralelo. Como era mesmo? Pegavam ônibus, descobriam a cidade com suas próprias pernas, realizavam suas lições de casa com mais independência, comiam de tudo. Ah, mas todos dirão: o mundo mudou, a violência está nas ruas, as crianças vivem uma outra realidade.É fato. Muito mudou. Mas você há de concordar, encontram-se sempre desculpas para o que aí se encontra. Essas crianças parecem estar, a cada dia, mais super protegidas, mais criadas numa redoma. Conhecem mais as luzes artificiais dos shoppings, menos a luz do sol, mais a realidade de um condomínio fechado, menos a vida que corre nas calçadas.

Difícil, não? Um verdadeiro nó. Mas nó é com você mesmo! É um marinheiro! Como lhes mostrar o que, de fato, é o mundo, para que possam crescer conscientes, críticas, realizando uma leitura verdadeira do que as circunda? Pois não é isso que o mercado de trabalho lhes vai exigir no futuro? Não é o que um futuro relacionamento lhes vai cobrar?

Percebe seu papel? Sente que, de uma forma ou de outra, há que se reforçar sempre, a máxima tão conhecida: Os filhos são do mundo... Reforçar teórica e praticamente.
Cabe, aqui, a reprodução de uma situação vivida, quando alguns pais conversavam entre si sobre os destinos de seus filhos. Um deles, profissional extremamente bem-sucedido, dizia aos amigos:
“Hoje não há mais lugar para profissionais que não tenham estudado muito e não o continuem fazendo...nossos filhos precisam, ao término da faculdade, continuar seu percurso...mestrado, doutorado...” até aqui, nada com o qual não se concorde... a questão é que o discurso terminava assim...”...não, não é como no nosso tempo...quando entrávamos para o mercado de trabalho mais cedo...hoje precisamos dar condições para que eles estudem, anteriormente, tudo o que puderem, para que se preparem o suficiente para enfrentar o que vem pela frente....”

Estudo separado da vida, da prática...como se o preparo residisse somente no ensino acadêmico, nas especializações, na aprendizagem de um ou vários idiomas, no uso aprimorado da informática. Estudar para, posteriormente, entrar no mercado. Estende-se a adolescência. Na tentativa de oferecer o melhor, tira-se do jovem a oportunidade única de conviver e aprender o que é o relacionamento profissional e suas implicações. Sabe-se que não há família ou escola que consiga ensinar o que está implícito no mundo do trabalho. Ele amadurece, torna forte, faz germinar o que se plantou desde cedo.

Nesse momento do século faz-se necessário que pai e mãe estejam juntos para refletir sobre essas questões desde cedo, pequenas questões do cotidiano que, gradativamente, façam com que essas crianças ganhem autonomia com responsabilidade: ir à padaria comprar os pães para o lanche, pegar seu primeiro ônibus; fazer o percurso, a pé, para a escola, se próxima; pequenos passos que antecedem e preparam o terreno para o que virá. Lenta e cuidadosamente. Problemas acontecerão? Sem dúvida. Dá algum trabalho, no início? Dá, não se engane. Perdem o dinheiro, gastam em balas, na melhor das hipóteses! Mas proporciona a seu filho alguns elementos fundamentais para o seu desenvolvimento: percepção, sintonia com o que ocorre a seu redor...responsabilidade, independência e, talvez, o mais importante, a idéia de que está crescendo com a confiança nele depositada.

Você, homem desse imenso oceano que é o mundo, viveu muito dessa realidade e sabe que ela foi semente de tudo. Resgate com sua companheira o seu caminho de criança e adolescente, ajude-a a perceber que se as ondas assustam, é também, através delas e do vento, que o barco singra as águas...nem sempre da forma ordenada e planejada pelo marinheiro, mas...será a vida tão certa assim? Ah...maravilhoso poeta português, venha fechar esse capítulo, venha....Navegar é preciso, viver não é preciso....









segunda-feira, agosto 07, 2006

sexta-feira, agosto 04, 2006

Família hoje

Por Norma Leite Aquilino

A família mudou. Com isso, vários reflexos se fazem sentir.
Afinal, família estruturada é possível, diante de tantas alterações?


Durante muito tempo a estrutura da família tradicional, composta de pai e mãe, foi uma realidade que, de certa forma, norteou os rumos de crianças e jovens.
Era um modelo definido, com homens e mulheres desempenhando papéis específicos e pré-determinados. Ao homem cabia a função de provedor. À mulher, os deveres da casa e a educação dos filhos. Essa era uma estrutura que servia aos padrões de uma determinada sociedade, numa determinada época. Era rígida, inflexível, sob alguns ângulos. Por outro lado, propiciava alguns eixos, algumas diretrizes aos pequenos e jovens.
Não, não se assuste. Não quer dizer que aquele era um modelo ideal. Absolutamente. Mas, no momento em que esse padrão foi substituído por tantos outros, é importante que se deixe claro o que de positivo existia e que permitia que os filhos crescessem com mais autonomia. Talvez, refletir sobre alguns aspectos sirva de auxílio a tantos pais e mães que buscam, nesse instante tão conturbado, alguns caminhos.

Novas composições, eixos eternos

Hoje há famílias compostas de pais e mães, somente de mães ou de pais e de casais do mesmo sexo. Enfim, o mundo mudou mesmo, não é verdade? Independentemente da composição ou ainda que o modelo seja o tradicional, vemos que esse casal já não mais desempenha as funções rigidamente estabelecidas como antigamente. Justamente porque tudo está tão alterado, os papéis exercidos estão indefinidos. A quem cabe o quê? Esse pai e essa mãe são ambos provedores, trocam fraldas, preparam mamadeiras.... Saem de casa cedo, voltam tarde... O tempo é curto diante de tudo o que se tem para fazer. Como ficam as crianças diante desse novo cenário? O que privilegiar para que a família, de qualquer natureza, seja bem estruturada e possa oferecer os eixos básicos à formação das crianças? Sim, porque família bem estruturada não significa necessariamente família com pai e mãe, mas que, de alguma forma, consiga manter definidos alguns papéis e valores fundamentais ao crescimento.

O acolher

Parece básico e elementar afirmar que uma das funções essenciais da família seja acolher os filhos. Mas é necessário que essa função seja revista, na medida em que a mulher, outrora tão dedicada ao lar e à observação do cotidiano, está imersa num ambiente de trabalho, por vezes extenuante e implacável.
Acolher significa, entre tantas coisas, ouvir as crianças e jovens, observar seu dia-a-dia, intervir nas ações rotineiras. Acolher quer dizer estar presente. Fisicamente? Controlando seus passos? Não, tal realidade, além de não ser benéfica, não atende aos novos tempos.
Essa função materna precisa ser revista com o olhar de um novo momento. Mas é fundamental para dar eixo e parâmetros aos filhos. Se o tempo é tão curto, é necessário que seja usado com sabedoria. Nesse sentido, privilegiar qualidade e não quantidade parece ser uma saída. Desempenhar essa tarefa não significa ser supermãe ou superpai. Inúmeras vezes justificamos nossa ausência com nosso trabalho, mas nos esquecemos ou não valorizamos pequenos instantes que poderiam fortalecer nossos elos: o jantar, um programa de televisão, um jogo, uma conversa descontraída ao levá-las à escola, à hora de dormir... Momentos informais, mas que dêem subsídios para ouvir o que pensam. Esses são instantes, também, em que você poderá, claramente, lhes falar não somente de suas certezas, mas de suas aflições e ansiedades.
Esse hábito, cultivado desde cedo, dá segurança aos filhos. Mostra-lhes que, se você não tem respostas para tudo, tem, ao menos, o desejo de acertar. E que conta com eles. Isso faz toda a diferença do mundo porque a relação se torna mais verdadeira, construída conjuntamente.

O corte do cordão umbilical

Bem, mas se acolher é importante, há a necessidade, também, de que haja, por parte de quem educa, o movimento de mostrar aos filhos que podem caminhar sozinhos. É um caminho longo, com etapas. Mas essencial ao desenvolvimento infantil. Essa função, no passado, restrita ao homem, proporcionava independência, autonomia a crianças e jovens. Àquele pai cabia “cortar”, diante dos olhares aflitos da mãe, as amarras. Era dele a palavra firme, “dura”. Muitas vezes, um simples olhar dizia tudo.
Importante que se reitere que nunca os jovens tiveram seu período de adolescência tão prolongado como hoje. Jamais demoraram tanto a assumir suas obrigações. Essa é uma geração com muitos direitos e poucos deveres. Curiosamente tal fato ocorre num momento histórico em que sabemos que o mundo profissional exige, cada vez mais cedo, responsabilidades dos jovens.
Pois bem. O processo gradativo que proporciona uma liberdade responsável começa nos pequenos, com ações concretas no dia-a-dia: na organização do próprio quarto, nas tarefas gerais da casa. Faz parte, também, de forma gradativa, fazê-los responsabilizar-se por si próprios delegando tarefas que os tirem do âmbito familiar: a ida, a pé, á escola de inglês, os pequenos trajetos de ônibus, a compra de pães na padaria...
Para isso, estabelecer poucas, mas boas regras de convivência e de atuação no mundo externo é essencial. Estabelecer e fazer cumprir.

Quando se é pai e mãe ao mesmo tempo

Em alguns casos, há a necessidade de que somente uma pessoa exerça as duas funções. Quando isso ocorre, o sentimento de sobrecarga e frustração pode surgir. Mas não se assuste. O mais importante não é acertar sempre. A máxima deve ser: fazer o melhor que se pode sob determinadas circunstâncias. Baixe suas expectativas.O melhor está distante do ideal? Sem dúvida. Mas se você desempenha sozinha o papel de criar seus filhos, saiba que, muitas vezes, sob um teto aparentemente estável, com casais estruturados de forma tradicional, tudo pode estar completamente fora dos eixos. Saiba, também, que pais que lutam sozinhos contam com um olhar diferenciado por parte dos filhos. Crianças são seres sensíveis, percebem sua correria, suas angústias diante das limitações. Aprendem muito com isso. Normalmente tornam-se mais autônomos porque vêem, na prática, a sua impossibilidade para assumir certas tarefas práticas. Resumindo: buscam saídas. E isso pode ser muito bom se você souber delegar, incentivar e não ficar presa à idéia de que dar conta de tudo é sua função.

Família perfeita?


Essas duas grandes diretrizes – o acolher e o corte do cordão umbilical – estão centradas na figura do pai e da mãe e são pilares da estrutura familiar. No caso da presença de ambos, a troca permanente entre o casal para a discussão dessas funções é primordial. É comum que, imbuídos do desejo de acertar, um dos dois eixos fique descoberto. Pode haver um excesso de proteção ou uma ausência de parâmetros. O segredo está no equilíbrio das funções. E essa medida só pode ser encontrada, entre o casal, se houver diálogo.
Essas duas diretrizes podem existir em outros modelos familiares. O fundamental é que os papéis existam. Na figura da mãe, de uma amiga, do pai, de um padrinho de uma tia ou mesmo de um avô. Quando esses dois pilares estão definidos como prioritários, a questão parece se resumir a quem assume o quê.
Lembre-se: mais importante do que as coisas funcionarem de forma perfeita é saber lidar com os conflitos e necessidades diárias. Nada mais enganoso do que a idéia de que família perfeita é família sem discussões ou divergências. Se há uma lição a ser ensinada aos filhos é a de que viver com o outro é aprender a gerenciar conflitos. É com eles que se cresce. È somente por meio deles que se enxergam saídas. Por isso mesmo, tenha em mente: família bem estruturada é aquela que busca, entre erros e acertos, o rumo certo. O importante é buscar. Sem a idéia pré-concebida de que se deva acertar sempre.

quinta-feira, agosto 03, 2006

Ser ou desaparecer?


O importante é não estar aqui ou ali, mas SER.
E ser é uma ciência feita
de pequenas e grandes observações do cotidiano
dentro e fora da pessoa.
Quando não executamos essas observações,
não chegamos a ser;
apenas estamos desaparecendo.
Carlos Drummond de Andrade
Observar para ser. Coisinha difícil, não?

quarta-feira, agosto 02, 2006

De professores, cozinheiros e seus temperos

Por Norma Leite Aquilino

Inclinações por determinadas áreas, todos têm.
Mas qual é a força de um professor para realçar essa tendência
ou mesmo fazer com os alunos descubram
os mistérios e a beleza de determinadas disciplinas?



Não é novidade nenhuma a história daquele aluno que sempre teve horror à matemática ou à escrita e, quando adulto, sempre se referiu às suas dificuldades com verdadeira angústia. A rejeição à área, na grande maioria dos casos, aponta para a figura do professor. O adulto, ao explicar sua dificuldade, começa por descrever aspectos da disciplina, mas, invariavelmente, toca em outros: nas aulas meramente expositivas, nos exercícios sem significado, enfim, em estratégias utilizadas que não conseguiram, de alguma forma, mobilizar o estudante.
Falar somente das estratégias seria minimizar o assunto. Na realidade, a didática utilizada pelos professores tem origem na sua concepção do que seja aprendizagem. E isso faz toda a diferença na sua postura em relação ao aluno, ao planejar aulas, propor um trabalho ou mesmo ao realizar uma avaliação. Essa forma de ação acaba por promover maior ou menor aceitação de algumas disciplinas. Em alguns casos, há verdadeira aversão, o que pode comprometer profundamente seu aprendizado e deixar lacunas sérias.

Ensinamentos de grandes mestres

Quando nos recordamos daqueles professores que marcaram nossa vida escolar, freqüentemente nos deparamos com figuras que não se detinham somente em sua disciplina. Seu pensamento era abrangente. Alunos respeitam professores que tenham o domínio da matéria, mas esse é somente um dos itens a serem considerados. Os grandes mestres sempre souberam que a especificidade só tem sentido quando o educador tem uma visão mais ampla do mundo e faz com que seus alunos percebam o maior.

Quando isso ocorre, aqueles aspectos técnicos são, muitas vezes, minimizados para que se consiga chegar à criança ou adolescente. Porque esse é o nó a ser desatado. Lidar com alunos que gostem do conteúdo, que tenham facilidades é simples. O grande desafio está em fazer com que os demais percebam caminhos e se descubram na área, procurando dar o melhor de si. Isso não se faz com exercícios enfadonhos, desprovidos de significado. Há que se ter paixão, gosto pelo ofício. Há que se ter paciência com os que ainda não enxergaram a beleza da disciplina. Mas, mais do que tudo, há que se ter a humildade de não usar o conhecimento e o poder da avaliação para destruir a auto-estima dos alunos.

Professor perfeito não existe

O educador que faz a diferença é um eterno pesquisador de conteúdos, de formas e de estratégias. É ousado, não tem medo do erro, tenta diferentes saídas para os problemas do cotidiano. Olha seus alunos nos olhos e conhece cada um para melhor poder atuar. Nesse olhar questiona sua dinâmica de trabalho, refaz o percurso, corrige as rotas. Sabe que é falível e que não escolheu uma profissão fácil. Por isso mesmo, não se escuda em eternas desculpas para alguns fracassos que possam acontecer. Ser educador, num país com tantas distorções e lacunas, é contar com problemas. Mas também é acreditar que existam saídas e que sua atuação aconteça a longo prazo. Significa perceber que deixa marcas e que estas podem alterar o rumo das coisas para melhor ou para pior.

Programa X sensibilidade

Bem, mas algo merece uma atenção especial quando pensamos no professor que atua de forma diferenciada: a sensibilidade para perceber que, se possui um conteúdo a cumprir, tem também, diante de si, uma classe heterogênea que, necessariamente, pode não atender a algo previamente estabelecido. A percepção, o jogo de cintura para lidar com o que a moçada traz altera rumos e tem o poder de transformar a aula em algo mais verdadeiro, dinâmico. E, convenhamos, esses jovens nunca estiveram tão repletos de informações! Jamais precisaram tanto de educadores que soubessem ouvi-los, a fim de canalizar esse conhecimento bombardeado, veiculado de maneira fugaz, mas intensa.

Equilibrar a programação acadêmica com o currículo oculto e, muitas vezes, utilizar esse currículo a favor da disciplina, dá sentido à aprendizagem. E os alunos parecem pedir isso. Querem saber por que estudam determinados conceitos, qual sua aplicação, enfim, o que farão na vida prática com alguns conteúdos. Nesse sentido, é fundamental que teoria e prática caminhem de mãos dadas.

O prazer, o bom humor e a energia

Cada professor tem características diferenciadas no exercício de seu ofício. Mas se há algo que contamina os alunos é ver na figura do mestre o prazer e o gosto pelo que faz - ainda que o percurso seja árduo, duro, permeado por dificuldades. Quando o prazer deixa de existir, a batalha está perdida. Não há teoria ou técnica que dê conta. E para que o gosto seja maior do que o desgaste do cotidiano, nada como o humor, a leveza para lidar com alguns assuntos pesados e os momentos que propiciam o “recarregar das baterias”. Sim, professor precisa de energia e essa não vem só da sala de aula. Vem do alimento com seus colegas de trabalho, das leituras e cursos de aprimoramento realizados, das atividades culturais a que tem acesso. Esses são elementos que dão ao profissional a visão mais abrangente e a flexibilidade tão necessária para a batalha diária! Professor sozinho e isolado realiza sua tarefa de forma incompleta e, mais cedo ou mais tarde, os reflexos se fazem sentir em si próprio e na turma.

Feitiço necessário

Finalmente é preciso ressaltar que, por mais que crianças e adolescentes tenham tendências por alguma área acadêmica, o bom professor faz milagres quando se dispõe, de coração aberto, a encontrar um caminho para os mais resistentes. Na realidade, eles têm a necessidade de se sentir capazes, de acreditar em seu potencial. O educador precisa saber mostrar-lhes primeiramente não “o quanto falta”, mas aquilo que já conseguiram. Ainda que sejam poucos, os pequenos progressos precisam ser valorizados. Alguns conteúdos precisarão ser cortados. Algumas técnicas e procedimentos, alterados. Não importa. Vale tudo quando se quer “enfeitiçar” alunos...
Enfeitiçar alunos pelo conhecimento não é tarefa para iluminados. Não. É para quem tem a humildade de reconhecer que há algo maior do que o programa, do que as notas do boletim, do que aquilo que os livros didáticos trazem: o gosto, o prazer pelo que estão aprendendo, ainda que aquela não seja sua área de maior facilidade.

Há receitas? Não, não há receitas prontas e acabadas, mesmo porque cada aluno é um e cada classe tem uma dinâmica. Mas se não há receitas, precisa haver, no mínimo, algumas diretrizes e um bom cozinheiro - que saiba selecionar e misturar ingredientes, que experimente os temperos, que pesquise o tempo certo do forno... Mais do que isso: um cozinheiro que ouse e não tenha receios - que se permita errar e, com o erro, busque a dose mais adequada do sal, da pimenta, da água e do azeite. Que suje suas mãos na farinha e nos ovos...

O conhecimento pode ser um banquete com direito a muitos aromas, sabores, entradas, aperitivos e pratos principais. Com a diferença de que, para prepará-lo, não basta o profissional especialista, mas os aprendizes, com suas colheres que acrescentam, seus garfos que espetam, suas facas afiadas a cortar, mas sempre com suas terrinas prontas a serem preenchidas. Desde que se saiba abrir o apetite, é claro!

terça-feira, agosto 01, 2006

Da importância da travessia


... o real não está na saída nem na chegada:
ele se dispõe prá gente é no meio da travessia.
Guimarães Rosa
E a nossa travessia pode ser longa ou, por vezes, curta demais...

segunda-feira, julho 31, 2006

Escola atual: conteúdo na cabeça ou aprender a pensar?

Por Norma Leite Aquilino



Segundo semestre. Época de intensa divulgação de escolas - impressos, cartazes, encartes de revistas. Aparentemente parece haver um amplo leque de opções.
Há expressões como “educação para o século XXI”, “prepare seu filho para o novo milênio” ou ainda “ensino de qualidade, com a mais avançada tecnologia”. Aquelas coisas que só Deus sabe o que realmente querem dizer...


Os anúncios parecem nivelar todas as escolas. Discurso comum. Propaganda que parece não diferenciar umas das outras. Ao mesmo tempo, os pais, com freqüência, vêem-se diante de inúmeras dúvidas. Uma delas, com certeza, refere-se ao que levar em conta quando se fala de ensino. O que vale mais: a escola dos conteúdos, cuja meta principal é o ensino de conceitos, com uma pesada carga de informação ou aquela que privilegia o pensar, o refletir do aluno?

Essa é mesmo uma questão peculiar. E sabe por quê? Porque as famílias demonstram incoerências e mudam sua postura ao longo dos anos. Quando as crianças são pequenas, os pais se encantam com propostas de ensino que fazem com que o filho se expresse, busque respostas, questione. A medida que o tempo passa, começa surgir uma espécie de desconforto... onde estará o conteúdo? Tudo parece ser feito de forma mais lenta e diferente do que no passado. Será que essa escola preparará meu filho para o vestibular? A informação é tão importante... Comparam a programação com a de outras escolas e, com freqüência, surge a frase: o colégio era ótimo quando meu filho era pequeno, mas agora, não atende às necessidades. É uma escola fraca para essa faixa etária..
Ah, a eterna história...escola forte, escola fraca...

Pensar no futuro é refletir sobre o presente

Bem, não é o caso de realizar análises sobre escolas. O cerne da questão parece residir em algo maior que merece uma parada para reflexão: o que significa preparar bem uma criança ou adolescente para o mundo que virá. O que é prioritário? Para responder a isso, não é necessário nenhum exercício de futurologia. Não há mágica. Simplesmente leve em conta o mundo de hoje, com suas velozes e profundas transformações. O que ele tem exigido de todos. Pessoal e profissionalmente. Educação é um processo gradativo. A longo prazo. O que for plantado, desde cedo, germinará posteriormente. Por isso, é importante que haja uma certa coerência, ao longo dos anos, quanto a aspectos básicos.

Algumas palavras de ordem

Comecemos com algo que parece bem distante, mas que, com relativa freqüência, aparece como preocupação das famílias: o mercado de trabalho. Quando observamos o que é veiculado nos anúncios, na procura por bons profissionais, há algumas expressões recorrentes, indicadoras do que se espera: autonomia, flexibilidade, rapidez na busca de soluções, criatividade, dinamismo, iniciativa, espírito de liderança, trabalho em equipe, disponibilidade para aprender sempre, experiência prática na área de atuação, persistência, visão geral de outras áreas, fluência em idiomas, conhecimento tecnológico, entre outras tantas. Ufa! São palavras que delineiam um profissional quase perfeito. A disputa é acirrada e os pais, a partir de uma determinada fase da vida de seus filhos, começam a se preocupar com o futuro. A escola, embora seja o momento inicial desse percurso, representa a base do que virá posteriormente. E aí? O que esperar dela?

Como fica o conhecimento

Interessante observar que a maioria dessas expressões não remete ao conhecimento acadêmico, formal, em que o volume de conteúdo seja o ponto de referência. Mesmo porque, mais importante do que a informação propriamente dita é saber que o profissional tem condições, de maneira eficaz, de chegar a ela. Não há como dar conta de conteúdo produzido e atualizado tão velozmente. Tal fato também não ocorria no passado e não seria agora, diante de uma carga tão pesada, que isso seria pré-requisito. Esse parece ser um ponto importante quando pensamos na educação atual. A escola deveria ser o espaço para desenvolver habilidades de pesquisa, que abrangem o onde e o como buscar, a leitura crítica e eficiente, selecionando dados, a capacidade de estabelecer relações, comparações, deduções. Isso tudo poderia ser definido como: habilidades que tornam seu filho autônomo na busca pelo conhecimento.

A capacidade de encontrar soluções

Continuando nas palavras de ordem, observam-se algumas características que se completam: ser flexível, rápido, criativo, dinâmico, transitar por áreas diversas. As mudanças ocorrem num ritmo veloz e exigem dos novos profissionais posturas que atendam às transformações. Esses são aspectos que, para serem desenvolvidos, precisam de uma estrutura escolar que propicie espaço para propostas e atividades diferenciadas do simples aprendizado acadêmico. Pessoas com esses pré-requisitos, em geral, precisam ter experiências multidisciplinares, refletir criticamente sobre os conteúdos, aprender a solucionar problemas e, principalmente, acreditar que são agentes principais no processo. Traduzindo: a escola deve possibilitar que crianças e jovens reflitam sobre sua realidade, façam perguntas, busquem respostas e proponham alternativas de ação. Viver é desatar nós, portanto, teoria e prática não podem se desvincular e necessitam estar voltados para o real.

A importância de cada um

Mas há qualificações que chamam a atenção, hoje, no mundo profissional. Talvez por nunca terem sido tão valorizadas. Muitas vezes, vêm em primeiro plano na análise de um perfil. Expressões como trabalho em equipe, liderança, bom relacionamento estão na boca de todos. E não é para menos. De nada adianta ter conhecimento se não se sabe conviver, partilhar, crescer junto com o outro de forma salutar. E conviver com o outro é algo complexo e desafiante. Significa lidar com a diversidade, ter jogo de cintura, perceber momentos e situações oportunas, saber ouvir, calar e a hora certa de se posicionar.

Esse é um longo percurso a ser realizado pelas escolas. Difícil. Numa sociedade que privilegia o individualismo, a inversão de valores e a massificação, a tarefa de perceber as especificidades do outro e - com a diferença - somar e crescer, parece ser um sonho distante. Mas esteja certo: essa é uma meta fundamental para que haja transformação do mundo em que você vive e que possui tantas distorções e desigualdades. Por isso, quando se fala em escola de boa qualidade e com visão de futuro, leva-se em conta o quanto ela auxilia crianças e adolescentes a se relacionar, em que medida faz com percebam sua importância no crescimento do outro e vice-versa. Fala-se, também, de uma escola que tenha um braço em ações sociais, possibilitando que seus alunos se engajem em projetos e percebam a importância da sua contribuição.

Informação ou formação

Diante do quadro atual, em que as diferentes sociedades parecem pedir por sujeitos pensantes, críticos, atuantes em diversos setores, comprometidos social e politicamente, nada mais ilusório do que a crença numa escola que privilegia o conteúdo do ponto de vista do volume de informações. Provocar mudanças no sistema vigente é papel de quem foi acostumado a pensar, a refletir com consistência, a questionar. As informações são importantes? Sem dúvida. Isso é inquestionável. Mas hoje são encontradas em profusão, até mesmo dentro de sua casa, nos computadores, o que não garante que se saiba o que fazer com elas.

Por isso, antes de esperar ou exigir o conhecimento específico, nas mais diferentes áreas, reflita sobre a maneira como a escola o desenvolve. O segredo parece estar no modo como lidam com o aprendizado, nas possibilidades diferenciadas que apresentam aos alunos, na abordagem de inúmeras formas de expressão, na valorização do potencial de cada um e, principalmente, nas oportunidades que oferecem para o desenvolvimento do espírito crítico. Disso resultará um trabalho consistente, antenado com o presente e com as preocupações do futuro.

sábado, julho 29, 2006

Grande Drummond...


O problema não é inventar.
É ser inventado, hora após hora,
e nunca ficar pronta a nossa edição convincente.
Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, julho 28, 2006

Trabalhar: o desafio de soltar elos e alçar vôos

Por Norma Leite Aquilino

O mundo moderno exige dos filhos preparo e amadurecimento para enfrentar a competitividade do mercado de trabalho. Por isso mesmo, capacitar-se não somente com o curso universitário, mas com especializações posteriores faz parte dessa nova realidade. Como inserir a atividade profissional diante de tantos pré-requisitos?

A afirmativa parece ser verdadeira, diante do que se vê e do que é lido em revistas e jornais. O preparo para o mundo profissional não tem mais fim. A idéia de que não há mais um tempo certo, limitado para essa formação parece já estar incorporada a todos. Algumas famílias se programam financeiramente, ao longo de muitos anos, a fim de dar subsídios para que seus filhos possam realizar cursos de extensão, até mesmo no exterior.

O que surpreende não é essa nova concepção, mas a visão, por parte de alguns pais, de que o ingresso no mercado de trabalho dependa de uma formação mais ampla e acadêmica. Como se houvesse um tempo de preparo e outro para o início da atividade profissional. É uma idéia que dissocia os dois mundos, como se eles não pudessem coexistir, não se completassem. Com isso, o período de adolescência é ampliado, a dependência se estende.

Será errado?

Não, tentar proporcionar o que acreditamos ser o melhor nunca é errado. Em princípio parece difícil imaginar as duas realidades, com tantas exigências. Os pais, ao tentarem vislumbrar possibilidades e enxergar caminhos com sua experiência de vida, buscam cumprir seu papel. No entanto, seria interessante que refletissem sobre algumas perguntas: tentam apoiar, discutir possibilidades, ouvir as inquietações ou encaminhar, a seu modo, os rumos de seus filhos? O ensino acadêmico e formal abre portas, mas será ele o maior responsável pelo futuro profissional? Ajudam efetivamente seus filhos quando estendem sua adolescência com o intuito de que se preparem para o que virá? O que acontecerá com um aluno inexperiente, saído da universidade, ao se defrontar com uma realidade em que a prática conta pontos?

Teoria e prática

Por melhor que seja a escola ou universidade que seu filho freqüente, não se engane. O ensino formal ainda está longe de proporcionar a seus alunos, de forma satisfatória, a experiência prática do ofício escolhido. Vemos, com freqüência, decepções em relação às propostas educacionais. Como se muitas estivessem desvinculadas da realidade: aulas muito teóricas, laboratórios que não dão conta do recado, tecnologia aquém do esperado e, acredite, um número expressivo de professores mal preparados.

Não por acaso observa-se hoje uma quantidade significativa de universitários ingressando, já no primeiro ano de faculdade, no mercado de trabalho em busca de estágios. Muitos buscam a ajuda financeira, mas a grande maioria sabe que a experiência profissional concomitante ao curso universitário é pré-requisito. Aprende-se a fazer fazendo. E isso parece vinculado ao mundo do trabalho.

O valor do dinheiro

Freqüentemente os pais se queixam das facilidades dos jovens no que se refere à obtenção de bens de consumo. Lutam arduamente para mostrar-lhes que as coisas são difíceis, fazem longos discursos, dão broncas, irritam-se diante do desperdício. Bem, nada mais eficaz do que a ação. Nesse caso, ela significa trabalho. Isso mesmo. Quando um jovem começa a ganhar seu dinheiro, de forma produtiva, ele passa a ver o mundo de um outro jeito. Tem uma outra dimensão do valor de cada objeto adquirido, porque sabe o quanto lhe custa ganhar. Esse é um caminho bonito a ser observado pelos pais. Normalmente se surpreendem. Esquecem-se do próprio percurso e de que vivenciar vale mais do que mil palavras de orientação.

Aqui vale lembrar: a preocupação referente ao valor dado ao dinheiro pelos jovens deveria independer da condição financeira da família. Educar um filho significa mostrar-lhe, ainda que haja abundância de recursos familiares, que nada no mundo nos é oferecido de graça e sem esforço. É o que lhe fornecerá a base para valorizar o que possui e para administrar eventuais dificuldades e reviravoltas que o mundo possa dar. E você há de reconhecer, conviver com o instável é uma necessidade da vida moderna. Ajude-o a preparar-se para possíveis momentos de desequilíbrio e contenção.

O delicado e desafiante mundo das relações

Não bastassem as implicações financeiras, a realidade profissional possibilita algo que nenhuma instituição de ensino ou família conseguirá suprir: o universo das relações de trabalho, dentro de um mercado competitivo e seletivo. É um aprendizado que começa nos aspectos práticos e aparentemente bobos, como selecionar roupas adequadas, pensar em sua aparência física com cuidados especiais, programar sua agenda pessoal, saber portar-se numa entrevista ou reunião, mas que vai tomando força com todos os desdobramentos posteriores - a preocupação com horários, a disciplina, o aprendizado de calar e falar nas horas certas, a delicada tarefa de lidar com pessoas de natureza diversa, o desafio de cumprir metas, individualmente e em equipe. Significa, mais do que tudo isso, ver-se diante de situações inusitadas e que exigirão escolha. Algumas, até, de natureza pessoal e ética.

Difícil? Ele parece ser muito novo para tudo isso?

Você é que pensa. Os pais, invariavelmente, procuram poupar seus filhos. Claro, argumentam que trabalhar e estudar ao mesmo tempo pode representar uma carga muito pesada. Ninguém afirma o contrário. Exige disponibilidade, sacrifício e perseverança. Mas que idade tem seu filho mesmo? Não estará ele no momento certo para as ousadias, os experimentos, os desafios? Não parece mais saudável que esteja buscando esses aspectos dentro do mundo profissional? Sim, porque essas são questões inerentes à faixa etária. Devidamente canalizadas, revertem, sem dúvida alguma, em benefício próprio.

Em alguns casos, entrar no mercado profissional pode causar tanto deslumbramento e autonomia que aparece, por parte do jovem, o desejo de interromper seus estudos, diante da dificuldade de manter as duas atividades. Aqui, sem dúvida alguma, cabe a interferência da família no sentido de ajudá-lo a encontrar caminhos. O trabalho precisa significar o complemento prático necessário à vida acadêmica e não sua substituição. Mostre-lhe que retomar os estudos, posteriormente, é sempre mais difícil e que essa é uma fase passageira, embora atribulada.

Soltar elos e alçar vôos

Quando começar? De que maneira proceder? Não há uma receita. Os filhos e as famílias são diferentes, graças a Deus. Cada um terá seu tempo, sua forma. Mas a ação de, gradativamente, cortar os laços de dependência, faz parte do papel de quem educa. O importante é que pais e mães, desde cedo, estejam sempre se perguntando o quanto seu instinto de proteção possa estar impedindo o crescimento de seus filhos. Que conversem sobre isso e que procurem caminhos para propiciar o amadurecimento. Muitas vezes, num primeiro momento, certas atitudes podem parecer duras, difíceis de tomar, algumas carregadas de culpa.

Recentemente uma mãe, que passava por momentos financeiros complicados, explicitava sua aflição e conseqüente sentimento de angústia diante da necessidade de dividir algumas despesas com seu filho, despesas que considerava de sua obrigação, como a manutenção da universidade. Surpreendentemente, ao conversar com ele a respeito, tomou conhecimento de que o jovem não somente pagava seus estudos, mas também conseguia, com seu salário de estagiário, guardar um relativo dinheiro para despesas pessoais e, acredite, uma poupança! Havia, em seu tom de voz, prazer por ser capaz de gerir suas finanças. Havia, mais do que tudo, o orgulho saudável de saber que, naquele momento tão especial, além do auxílio à família, ele tinha um papel ativo na construção de seu futuro.

Pois bem, como sempre, o que parece culpa para os pais, pode ter o sabor de conquista para o jovem. A valorização da independência, o viver de forma autônoma e responsável decorre, em grande parte, das experiências concretas que a experiência profissional proporciona. Por isso, fique de antenas ligadas às manifestações de desejo de alçar vôo. Em alguns casos, se necessário, incite-o. Se bem orientado ele, certamente, será o primeiro de muitos outros, sempre mais altos e mais distantes. Que bom, é sinal de que seu filho começa, de fato, crescer. Longe das suas protetoras asas.