terça-feira, agosto 08, 2006

Desbravando mares ou quando, mais do que nunca, é preciso ser pai

Por Norma Leite Aquilino

Quero o mar alto, o mar grande
Por favor, não me mande de volta, mais não
Não quero cais, outro porto,
Não mais o mar morto da minha ilusão,
Prefiro ir à deriva,
Me deixe que eu siga em qualquer direção
Eu sou de um rio marinho
O mar é meu ninho, meu leito e meu chão...
Paulinho da Viola


A imagem fala por si só. O mar que é mistério, o desconhecido que assusta e fascina. As águas salgadas, que significam o caminho da conquista (Oh, mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal...já disse o poeta em tempos idos...).
Pois falar de pai é também falar de um oceano, ora em calmaria, ora em turbulência, com ondas imensas...Nos tempos de hoje, então...Ah...esse mar nunca esteve tão revolto...esse pai inquieto. Esse mar jamais possuiu vagas tão enormes...esse pai a buscar caminhos, a se debater ferozmente.

Sua, no passado, foi sempre a tarefa de provedor do lar, mas parece que a briga, embora suada, não exigia os implacáveis esforços de hoje. Sim, porque a luta do agora não significa somente abrir frentes no mercado de trabalho, estudar. O embate hoje, sabe você, significa encontrar espaço em sua casa...buscar o lugar que ocupa dentro de sua família. Respostas para o seu papel. Sabe do que se fala aqui, não sabe? Sabe, sim...

Sabe o que é chegar em casa, cansado e...não encontrar sua esposa (ela está viajando, a negócios). Sente, na pele, o que é precisar de uma camisa,não está passada (a reunião vai até tarde, avisa ela ao telefone). Pensa consigo mesmo:tudo bem, enquanto são só roupas, a comida, a casa...Mas e as crianças???? Onde está essa mulher? Ela tem deveres, uma família.Meio de campo embolado.Você tenta preencher as lacunas. Troca fraldas, ajuda no dever de casa (como mesmo ensinar essa tal de matemática hoje em dia? mas essa menina está escrevendo errado...), esquenta a comida. Essa mulher não chega? Do seu jeito, procura colocá-los na cama, olha o relógio. A cidade está tão perigosa... nem isso ela compreende! Eu, aqui, com os garotos e simplesmente um breve aviso ao telefone!

Difícil localizar a contrariedade. O panorama não é simples, mesmo. São momentos em que o racional mistura-se com a emoção. Sabe da importância dessa mãe no mercado de trabalho, seja por necessidade financeira, seja por realização pessoal e profissional. Você lhe deu apoio, disse que lhe daria a retaguarda mas, não consegue esconder sua inquietação quando ela chega e você a recebe com alguma dessas frases: “As crianças perguntaram por você...” ou “Precisei preparar o leite e está faltando açúcar..” ou ainda, de forma mais contundente, “Casou-se com aquele escritório?”

Os papéis parecem se misturar. Houve um tempo em que o pai sabia exatamente seu lugar, suas obrigações, deveres e direitos numa sociedade estruturada de uma outra maneira. Se à mãe cabia acolher, proteger sua prole, ao pai estava destinada a função de corte do cordão umbilical, do jogar os filhos para a vida. Surge a figura do mar, mesmo, o desconhecido oceano, metáfora da vida e de seus desafios.

Você, antes, realizava sua tarefa com relativa facilidade, tudo era tão definido! Como fazer o mesmo hoje, quando acumula muito das funções maternas? Como dar conta de tão importante missão se está profundamente envolvido com questões emocionais, afetivas e que também lhe exigem cuidados físicos e concretos em relação às crianças?
Esse pai nunca precisou de tanta ajuda, de tanto apoio...às vezes parece precisar de colo.

Guerreiros são pessoas,
São fortes, são frágeis,
Guerreiros são meninos, no fundo do peito
Precisam de um descanso, precisam de uma remanso,
Precisam de um sono
Que os torne refeitos
É triste ver meu homem, guerreiro, menino
Com a barra do seu tempo por sobre seus ombros
Eu vejo que ele berra,
Eu vejo que ele sangra,
A dor que tem no peito, pois ama e ama....
Gonzaguinha

Mas de colo, os homens sempre precisaram, eternos meninos, não importa a idade. Na realidade, pedem mais. Esse guerreiro necessita encontrar, além de caminhos profissionais, uma maneira de dividir com sua eleita companheira de percurso, a maneira de conduzir a educação de seus filhos, a forma de recuperar algo que sempre lhe pertenceu: o papel de soltar as amarras, apesar do olhar aflito da mãe, dos perigos do mundo...

Quando se pensa nos filhos de hoje, é inevitável a comparação com os filhos de ontem. Estabeleça o paralelo. Como era mesmo? Pegavam ônibus, descobriam a cidade com suas próprias pernas, realizavam suas lições de casa com mais independência, comiam de tudo. Ah, mas todos dirão: o mundo mudou, a violência está nas ruas, as crianças vivem uma outra realidade.É fato. Muito mudou. Mas você há de concordar, encontram-se sempre desculpas para o que aí se encontra. Essas crianças parecem estar, a cada dia, mais super protegidas, mais criadas numa redoma. Conhecem mais as luzes artificiais dos shoppings, menos a luz do sol, mais a realidade de um condomínio fechado, menos a vida que corre nas calçadas.

Difícil, não? Um verdadeiro nó. Mas nó é com você mesmo! É um marinheiro! Como lhes mostrar o que, de fato, é o mundo, para que possam crescer conscientes, críticas, realizando uma leitura verdadeira do que as circunda? Pois não é isso que o mercado de trabalho lhes vai exigir no futuro? Não é o que um futuro relacionamento lhes vai cobrar?

Percebe seu papel? Sente que, de uma forma ou de outra, há que se reforçar sempre, a máxima tão conhecida: Os filhos são do mundo... Reforçar teórica e praticamente.
Cabe, aqui, a reprodução de uma situação vivida, quando alguns pais conversavam entre si sobre os destinos de seus filhos. Um deles, profissional extremamente bem-sucedido, dizia aos amigos:
“Hoje não há mais lugar para profissionais que não tenham estudado muito e não o continuem fazendo...nossos filhos precisam, ao término da faculdade, continuar seu percurso...mestrado, doutorado...” até aqui, nada com o qual não se concorde... a questão é que o discurso terminava assim...”...não, não é como no nosso tempo...quando entrávamos para o mercado de trabalho mais cedo...hoje precisamos dar condições para que eles estudem, anteriormente, tudo o que puderem, para que se preparem o suficiente para enfrentar o que vem pela frente....”

Estudo separado da vida, da prática...como se o preparo residisse somente no ensino acadêmico, nas especializações, na aprendizagem de um ou vários idiomas, no uso aprimorado da informática. Estudar para, posteriormente, entrar no mercado. Estende-se a adolescência. Na tentativa de oferecer o melhor, tira-se do jovem a oportunidade única de conviver e aprender o que é o relacionamento profissional e suas implicações. Sabe-se que não há família ou escola que consiga ensinar o que está implícito no mundo do trabalho. Ele amadurece, torna forte, faz germinar o que se plantou desde cedo.

Nesse momento do século faz-se necessário que pai e mãe estejam juntos para refletir sobre essas questões desde cedo, pequenas questões do cotidiano que, gradativamente, façam com que essas crianças ganhem autonomia com responsabilidade: ir à padaria comprar os pães para o lanche, pegar seu primeiro ônibus; fazer o percurso, a pé, para a escola, se próxima; pequenos passos que antecedem e preparam o terreno para o que virá. Lenta e cuidadosamente. Problemas acontecerão? Sem dúvida. Dá algum trabalho, no início? Dá, não se engane. Perdem o dinheiro, gastam em balas, na melhor das hipóteses! Mas proporciona a seu filho alguns elementos fundamentais para o seu desenvolvimento: percepção, sintonia com o que ocorre a seu redor...responsabilidade, independência e, talvez, o mais importante, a idéia de que está crescendo com a confiança nele depositada.

Você, homem desse imenso oceano que é o mundo, viveu muito dessa realidade e sabe que ela foi semente de tudo. Resgate com sua companheira o seu caminho de criança e adolescente, ajude-a a perceber que se as ondas assustam, é também, através delas e do vento, que o barco singra as águas...nem sempre da forma ordenada e planejada pelo marinheiro, mas...será a vida tão certa assim? Ah...maravilhoso poeta português, venha fechar esse capítulo, venha....Navegar é preciso, viver não é preciso....









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