sábado, julho 24, 2010

Que dia é hoje? Dia do escritor...

Por Graciliano Ramos, sobre a arte de escrever


"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes.

Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.

Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."

sexta-feira, julho 23, 2010

Que Brasil é este?

O admirável Brasil novo

Por Nelson Motta - O Estado de S.Paulo

Estamos vivendo a alvorada de uma nova era no Brasil, com grandes transformações econômicas e sociais, gerando novos significados para velhas expressões. E até novos conceitos filosóficos, como "minto, logo, existo", como foi comprovado nos depoimentos das CPIs.

Atualmente, os empresários não querem mais ter lucro, eles só trabalham para gerar empregos. Os bancos e grandes empresas só pensam em salvar o planeta, pela sustentabilidade. As organizações não-governamentais são sustentadas pelo governo. Só falta o almoço grátis.

Modernizamos até mesmo provérbios universais consagrados pela sabedoria popular. As apavorantes galerias de fotos de nossas casas legislativas são o desmentido cabal de que as aparências enganam. Nas Comissões de Ética, ladrão que julga ladrão dá cem anos de perdão, e é mais fácil o Marcelo Camelo passar pelo buraco de uma agulha do que o STF condenar um parlamentar. Aqui se faz e aqui se apaga. No Brasil, o ladrão faz a ocasião, com emendas parlamentares e contribuições de campanha. Porque a liberdade deles começa onde termina a nossa.

Neste país, quem dá (dinheiro público) aos pobres, empresta aos seus, naturalmente eleitores. Contra fatos não há argumentos, só bons advogados e lobistas eficientes. Macacos velhos têm suas cumbucas em paraísos fiscais, dinheiro sujo não se lava em casa. São partidos, partidos, negócios à parte - a parte de cada um no negócio. Afinal, tudo vale a pena se a multa é pequena.

Como se vê no noticiário político, mentir e coçar é só começar, conversa mole tanto bate até que cola e CPI que é ladra não morde. Quem não mama, chora. Aqui, o barato não sai caro, no Senado sai de graça. O segredo é a lama do negócio.

No Brasil, tristezas não pagam dívidas de campanha, quando um burro fala os outros aplaudem, os cães ladram e a caravana é assaltada, e quando um não quer dois não roubam, chamam mais gente: os meios justificam os afins.

Aqui se dá a Lula o que é de Deus e a César, talvez, o Senado, porque Lula é a voz do povo e dá a bolsa conforme o eleitor. O príncipe é o sapo. Só espero que quem o voto fere, pelo voto seja ferido.




sexta-feira, julho 16, 2010

Palmadas estatais

Por Sandro Vaia

Não sabemos nos comportar e tampouco sabemos como cuidar dos nossos flhos.Para sorte nossa, o Estado pai, mãe, provedor, empresário, indutor,educador, fiscal, guia e farol dos nossos dias, se dispõe a cuidar de mais essa lacuna do nosso caráter.

O presidente Lula encaminhou ao Congresso um projeto de lei que proíbe maus tratos dos pais contra as crianças, inclusive o prosaico tapinha na bunda, porque ele, como emérito educador que é, sabe, como quase todo governante moderno, como somos incapazes de lidar com as nossas próprias responsabildades, tanto paternas como cívicas.Sem o olhar protetor do Estado, sabe Deus que tipo de iniqüidades seríamos capazes de cometer.

Outro dia, comentando esse assunto no twitter, o jornalista Antero Greco, companheiro de muitos anos de trabalho e de muitas sagas de sofrimentos palmeirenses, escrevia: “Minha mãe dizia: ‘Mazze e panelle fanno i figli belli’. Levei palmadas, tive carinho, fui bem alimentado, sem traumas”.

Sabedoria simples e vital da senhora napolitana.Sabedoria caseira coberta por poeira de séculos, um tesouro a ser preservado num reduto íntimo, espaço onde as relações humanas ainda fazem prevalecer o desígnio da ação individual sobre a barbárie coletivista que a paranoia da correção política quer impor à força sobre as consciências.

Brinquei no twitter dizendo que só faltava agora o governo criar uma “Criançobrás”, empregando alguns milhares de fiscais de palmadas-na-bunda, e fui logo admoestado por um desses cretinos fundamentais que enriquecem a blogosfera com a profunda sutileza de seu pensamento: “Quer dizer que você é a favor do espancamento de menores ?”. Vejam até onde a idiotia pode chegar.

Não sou a favor do espancamento nem de menores nem de maiores,mas eu perderia meu tempo tentando explicar isso ao cretino fundamental? Teria que contar até que já existem leis que punem agressões físicas, indistintamente, seja contra crianças, seja contra adultos, e que elas são suficientemente abrangentes para punir até as palmadas na bunda dos filhos.Não precisamos de mais leis, precisamos que se cumpram as que já existem.

Não precisamos de tutores, nem de comportamento nem de consciência. Não precisamos que nos digam como devemos criar nossos filhos,nem quais jornais podemos ler, nem quais programas de TV podemos ver, nem o que podemos comer ou beber, e nem quando e onde podemos fumar, desde que não desrespeitemos os direitos do próximo.

Ficaríamos muito gratos se o Estado conseguisse cumprir com o mínimo de suas tarefas básicas, como cuidar da infra-estrutura do País, assegurar oportunidades iguais para todos, investir o dinheiro dos impostos em serviços de saúde e educação decentes.

Essa persistente e minuciosa necessidade de intervir na vida dos outros é um dos traços mais incômodos do vagalhão estatista que avança pelo mundo afora.Aqui no Brasil atinge um grau mais agudamente intolerável na medida em que toda ingerência vem apresentada como um ato de bondade de governantes cheios de boas intenções e que não conseguem dormir à noite se não gastarem o seu dia produzindo o bem e distribuindo-o para todos.

Estatizar as relações familiares é mais um passo no processo de substituição da responsabilidade individual pela idiotização coletiva.

Texto retirado do Blog do Noblat


Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez.. E.mail: svaia@uol.com.br

A História e seus heróis


Não são os heróis que fazem a história,
é a História
que faz os heróis.
Porém no caso aqui do nosso Roque,
terá sido a História
ou teremos sido nós?
Isso será esclarecido
no decorrer
de nossa estória.
Mas o que mais importa agora
é saber que sem ele,
que sem toda a sua glória,
esse lugar não conheceria
as maravilhas do capital,
nem gozaria das delícias
dessa civilização cristã e ocidental.

(fala de Chico Malta em O Berço do Herói - Roque Santeiro)
Dias Gomes

Vale tudo?


Por Norma Leite Aquilino





Houve uma época em que ler jornais e revistas dava-nos a sensação de que encontraríamos, de certa forma, uma possibilidade real de informação. Não é o que se percebe hoje. Os meios de comunicação parecem pautados por “verdades” vindas de diferentes vertentes políticas, como que a defender um ou outro candidato ou partido. O desejo do cidadão que vive num país democrático é encontrar fontes que busquem informar, se não com isenção, imparcialidade, mas, ao menos, com justiça e alguma sabedoria. Isso parece impossível diante das manchetes que lemos diariamente. Sentimento de desalento.

Como se não bastasse, tal sentimento se agrava quando se percebe a forma de ação de quem está no poder, seja na esfera federal ou nos governos estaduais. É asqueroso perceber como os políticos ignoram as leis em benefício próprio, fazem vista grossa ou mesmo até chacota da lei eleitoral que existe para ser cumprida por todos, independentemente do cargo que ocupem. É mais que descaso. É desaforo.

Vale tudo para se conseguir o poder ou nele se perpetuar: alianças espúrias, uso indiscriminado da mídia e da máquina pública, tentativas grosseiras de visibilidade internacional, inauguração de obras que não existem, mas estão em projeto, discursos mirabolantes que carecem de verdade, profundidade e sensatez.

Não se enxerga o real compromisso com um Brasil em que a corrupção seja algo a ser combatido ferozmente. Ao contrário. As alianças com o que existe de mais sujo e retrógrado estão estabelecidas. Em nome do poder tudo vale. Que importa se no passado estivemos em campos opostos e nos ofendemos? O que interessa se quem me apóia hoje esteve envolvido em escândalos e corrupção? Qual é o problema se temos crenças opostas? Temos mesmo? Ou era tudo discurso?

Não se enxerga uma proposta educacional consistente, provando que uma grande nação nasce da verdadeira formação de seus cidadãos. Ao contrário. Vemos os ensinos fundamental e médio enfraquecidos e inúmeras faculdades abertas sem a mínima qualidade exigida. Não são celeiros de sabedoria, com mestres de formação consolidada, são locais de se arrecadar fundos, alunos que lá estão como se estivessem num shopping, uma vez que a mercadoria principal dificilmente é o conhecimento. Profissionais mal formados, ausência de mão de obra qualificada. Como preencher os vazios das empresas, indústrias, se não há a real qualificação pedida pelos novos tempos?

Não se vislumbra uma preocupação real com a saúde. Ao contrário. Hospitais fechados ou funcionando de maneira inadequada,ineficiente, esperas longas e torturantes por exames durante meses, medicação cara, pessoas que ainda morrem nas filas. Abandono da classe social mais necessitada e busca por planos de saúde privados cada vez mais caros para suprir o que o Estado não cumpre, mas deveria por lei e pelo montante arrecadado.

Não se vê uma tomada de decisão efetiva contra a entrada de drogas e armas num país que possui cidades dominadas pelo narcotráfico. Jovens abandonados a sua própria sorte. Falta de perspectiva, violência, vidas interrompidas.

Há iniciativas em andamento? Até pode haver. Mas tudo o que se refere ao essencial acontece a passos lentos, como se o país padecesse de uma letargia permanente. Como se todo o resto supérfluo viesse primeiro diante das necessidades básicas do cidadão que paga impostos e precisa de serviços que estejam de acordo com o que lhes é descontado mês a mês.

Pobre cidadão. É a ele que pedem o voto. É a ele que se dirigem dizendo, uma vez mais, que tais políticos podem ser os condutores de um Brasil melhor, mais justo, mais fraterno. E agora, José? As urnas estão aí.

Os velhos olhos azuis estão de volta

Sinatra, o retorno



quinta-feira, julho 15, 2010

Mosaico de deformações

Por Alon Feuerwerker

A relativização absoluta dos valores — em vez da absolutização deles — vai criando uma sociedade meio fantasmagórica, numa colagem anárquica

O governo federal impulsiona um projeto para criminalizar castigos físicos aplicados pelos pais nos filhos. É uma boa iniciativa. Abrirá o debate sobre o tema em si e sobre quanto o Estado deve interferir nos assuntos da família.

É ocioso polemizar sobre as intenções dos políticos, mas fica o registro de que o presidente da República procura introduzir no período eleitoral mais um vetor para embalar o governo e sua candidata no papel de presente humanista. Paciência.

Outro dia Dilma Rousseff defendeu ser inconveniente discutir agora mudanças no Código Florestal, por estarmos em véspera de eleição. José Serra disse a mesma coisa. É a velha mania de querer deixar os assuntos complicados para quando o povo estiver prestando menos atenção.

Vê-se porém que o governo não é avesso a toda polêmica nestes dias supostamente especiais: enquanto procura abafar as incômodas, que embutem problemas potenciais com aliados políticos, estimula outras, mais adequadas à roupagem humana com que veste seu projeto.

Já notei aqui, diversas vezes, que o humanismo de Luiz Inácio Lula da Silva é politicamente constrangido. Não merecem a compaixão de Sua Excelência, em certos países de governos amigos, os opositores a caminho da forca. Ou os encarcerados por desejarem mudar pacificamente o sistema político. Ou as mulheres ameaçadas de apedrejamento por terem cometido o “crime” de adultério. Ou as minorias vítimas de genocídio.

O governo costuma ter uma saída inteligente nesses casos, ao argumentar que não cabe interferir na vida interna de outras nações e povos. Mas é esta mesma administração quem recorre à relatividade das leis nacionais diante das leis internacionais, quando o assunto são certas ações aqui dentro envolvendo os direitos humanos. Foi assim no debate sobre a validade ou não da Lei de Anistia para torturadores.

Estamos na era dos argumentos e princípios voláteis, aplicados espertamente conforme a conveniência. E sempre sob a máscara da superioridade moral.

Mas o debate agora é sobre a criminalização dos castigos físicos impostos pelos pais aos filhos. É um ótimo assunto. O presidente tem razão quando diz que educar não pode ser sinônimo de agredir a criança.

Eu tenho aqui uma sugestão. Por que não discutir junto a criminalização de toda violência contra as crianças? De um modo abrangente. E sem distinção de grupo social ou étnico.

Se as eventuais palmadas dos pais nos filhos são assunto suficientemente grave para merecer a atenção do Estado (e são), talvez os legisladores devessem também olhar para hábitos ainda mais brutais, como o de certos povos indígenas que matam as crianças dotadas de características indesejáveis.

Crianças são crianças. Brancas, negras, índias, tanto faz. Todas devem ter os mesmos direitos.

Há o argumento multicultural, de que se devem respeitar as crenças e hábitos específicos. Mas se vale para os índios, por que não deveria valer também para brancos, negros? E se houver um grupo cuja cultura considere imprescindível dar palmadas nas crianças quando elas insistem em não obedecer? O sujeito poderá recorrer à Justiça em nome de sua religião, ou tradição, ou crença?

O leitor talvez enxergue alguma ironia aqui, mas sinceramente não há. O problema é que a relativização absoluta dos valores — em vez da absolutização deles — vai criando uma sociedade meio fantasmagórica. Um mosaico de deformações, uma colagem anárquica.

O branco ou o negro castigarem o filho desobediente não pode. Já o índio matar o filho deficiente, isso pode. Cortar uma árvore não pode, é crime ambiental. Mas matar o feto que vai dentro do útero da mãe deveria poder, em nome da autonomia que a mulher precisa ter sobre o próprio corpo.

Seria demais pedir dos políticos que se movessem pela lógica dos valores. Desde Maquiavel isso saiu de moda. Mas algumas vezes o nonsense ultrapassa todos os limites.

Publicado originariamente no http://www.blogdoalon.com.br