sábado, dezembro 30, 2006

Receita de Ano Novo


Por Carlos Drummond de Andrade

Para você ganhar um belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido(mal vivido talvez ou sem sentido),
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior),
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, não precisa expedir nem receber mensagens (planta recebe mensagens?passa telegrama?).Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas,
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Natal na Ilha do Nanja

Por Cecília Meireles

Na Ilha do Nanja, o Natal continua a ser maravilhoso. Lá ninguém celebra o Natal como o aniversário do Menino Jesus, mas sim como o verdadeiro dia do seu nascimento. Todos os anos o Menino Jesus nasce, naquela data, como nascem no horizonte, todos os dias e todas as noites, o sol e a lua e as estrelas e os planetas. Na Ilha do Nanja, as pessoas levam o ano inteiro esperando pela chegada do Natal. Sofrem doenças, necessidades, desgostos como se andassem sob uma chuva de flores, porque o Natal chega: e, com ele, a esperança, o consolo, a certeza do Bem, da Justiça, do Amor. Na Ilha do Nanja, as pessoas acreditam nessas palavras que antigamente se denominavam "substantivos próprios" e se escreviam com letras maiúsculas. Lá, elas continuam a ser denominadas e escritas assim.

Na Ilha do Nanja, pelo Natal, todos vestem uma roupinha nova — mas uma roupinha barata, pois é gente pobre — apenas pelo decoro de participar de uma festa que eles acham ser a maior da humanidade. Além da roupinha nova, melhoram um pouco a janta, porque nós, humanos, quase sempre associamos à alegria da alma um certo bem-estar físico, geralmente representado por um pouco de doce e um pouco de vinho. Tudo, porém, moderadamente, pois essa gente da Ilha do Nanja é muito sóbria.

Durante o Natal, na Ilha do Nanja, ninguém ofende o seu vizinho — antes, todos se saúdam com grande cortesia, e uns dizem e outros respondem no mesmo tom celestial: "Boas Festas! Boas Festas!"

E ninguém, pede contribuições especiais, nem abonos nem presentes — mesmo porque se isso acontecesse, Jesus não nasceria. Como podia Jesus nascer num clima de tal sofreguidão? Ninguém pede nada. Mas todos dão qualquer coisa, uns mais, outros menos, porque todos se sentem felizes, e a felicidade não é pedir nem receber: a felicidade é dar. Pode-se dar uma flor, um pintinho, um caramujo, um peixe — trata-se de uma ilha, com praias e pescadores ! — uma cestinha de ovos, um queijo, um pote de mel... É como se a Ilha toda fosse um presepe. Há mesmo quem dê um carneirinho, um pombo, um verso! Foi lá que me ofereceram, certa vez, um raio de sol!

Na Ilha de Nanja, passa-se o ano inteiro com o coração repleto das alegrias do Natal. Essas alegrias só esmorecem um pouco pela Semana Santa, quando de repente se fica em dúvida sobre a vitória das Trevas e o fim de Deus. Mas logo rompe a Aleluia, vê-se a luz gloriosa do Céu brilhar de novo, e todos voltam para o seu trabalho a cantar, ainda com lágrimas nos olhos.

Na Ilha do Nanja é assim. Arvores de Natal não existem por lá. As crianças brincam com. pedrinhas, areia, formigas: não sabem que há pistolas, armas nucleares, bombas de 200 megatons. Se soubessem disso, choravam. Lá também ninguém lê histórias em quadrinhos. E tudo é muito mais maravilhoso, em sua ingenuidade. Os mortos vêm cantar com os vivos, nas grandes festas, porque Deus imortaliza, reúne, e faz deste mundo e de todos os outros uma coisa só. É assim que se pensa na Ilha do Nanja, onde agora se festeja o Natal.

Feliz Natal



Por Frei Betto

Neste Natal, Deus venha amado, desarmado, disposto a conter as iras do velho Javé e, surrupiado de fadigas, derrame diluvianamente sua misericórdia sobre todos nós, praticantes de pecados inconclusos. Venha patinando pela Via Láctea, um sorriso cósmico estampado no rosto, despido como o Menino na manjedoura, mãos livres de cajado e barba feita, a pedir colo a Maria e afago a José.

Traga com ele os eflúvios das bodas de Caná e, a apetitar nossos olhos famintos, guisados de ovelhas e cordeiros acebolados, sêmola com açafrão e ovos batidos com mel e canela. Repita o milagre do vinho a embriagar-nos de mistério, porque núpcias com Deus presente, assim de se deixar até fotografar, obnubila a razão e comove o coração.

Venha neste Natal o Deus jardineiro do Éden, babelicamente plural, disposto a fazer de Ló uma estátua de açúcar. E com a harpa de Davi em mãos, salmodie em nossas janelas as saudades da Babilônia e faça correr leite e mel nos regatos de nosso afeto.

Neste Natal, não farei presépio para o Javé da vingança nem permitirei que o peso de minhas culpas sirva de pedra angular aos alicerces do inferno. Quero Deus porta-estandarte, Pelé divino driblando as artimanhas do demo, acrobata do grande circo místico.

Minha árvore não será enfeitada com castigos e condenações eternas. Nela brilharão as chamas ardentes da noite escura a ensolarar os recônditos do coração. Venha Deus a cavalo, a pé ou andando sobre os mares, mas venha prevenido, arisco e trôpego e, sobretudo, desconfiado, à imagem e semelhança de minha indigência.

Enquanto todos comemoram em ceias pantagruélicas, vomitando farturas, iremos os dois para um canto de esquina e, amigos, dividiremos o pão de confidências inenarráveis. Deus será todo ouvido e eu, de meus pecados, todo olvido, pois não há graça em falar de desgraça num raro momento de graça.

Neste Natal, acolherei Deus no meu quintal, lá onde cultivo hortaliças e legumes, e darei a ele mudas de ora-pro-nóbis, coisa boa de se comer no ensopado de frango. Mostrar-lhe-ei minha coleção de vitupérios e, se quiser, cederei a minha rede para que possa descansar das desditas do mundo.

Se Maria vier junto, vou presenteá-la com rendas e bordados trazidos do sertão nordestino, porque isso de aparecer senhora de muitas devoções exige muda freqüente de trajes e mantos, e muita beleza no trato.

Que venha Deus, mas venha amado, pois ando muito carente de dengos divinos. Não pedirei a ele os cedros do Líbano nem o maná do deserto. Quero apenas o pão ázimo, um copo de vinho e uma tijela de azeite de oliva para abrilhantar os cabelos. Cantarei a ele os cantos de Sião e também um samba-canção. Tocarei pandeiro e bandolim, porque sei das artes divinas: quem pontilha de dourado reluzente o chão escuro do céu, e provoca o cintilar de tantas luzes, faz mais que uma obra, promove um espetáculo. Resta-nos ter olhos para apreciar.

Desejo um Feliz Natal às bordadeiras de sonhos, aos homens que prenham a terra com sementes de vida, às crianças de todas as idades desditosas de maldades, e a todos que decifram nos sons da madrugada o augúrio de promissoras auroras.

Também aos inválidos de espírito apegados ciosamente a seus objetos de culto, aos ensandecidos por seus mudos solilóquios, aos enconchavados no solipsismo férreo que os impede de reconhecer a vida como dádiva insossegável.

Feliz Natal aos caçadores de borboletas azuis, artífices de rupestres enigmas, febris conquistadores a cavalgar, solenes, nos campos férteis de sedutoras esperanças.

Feliz Natal às mulheres dotadas da arte de esculpir a própria beleza e, cheias de encanto, sabem-se guardar no silêncio e caminhar com os pés revestidos de delicadeza. E aos homens tatuados pela voracidade inconsútil, a subjetividade densa a derramar-lhes pela boca, o gesto aplicado e gentil, o olhar altivo iluminado de modéstia.

Feliz Natal aos romeiros da desgraça, peregrinos da indevoção cívica, curvados montanha acima pelo peso incomensurável de seus egos pedregosos. E aos êmulos descrentes de toda fé, fantasmas ao desabrigo do medo, néscios militantes de causas perdidas, enclausurados no labirinto de suas próprias artimanhas.

Feliz Natal a quem voa sem asas, molda em argila insensatez e faz dela jarro repleto de sabedoria, e aos que jamais vomitam impropérios porque sabem que as palavras brotam da mesma fonte que abastece o coração de ternura.

Feliz Natal aos que sobrevoam abismos e plantam gerânios nos canteiros da alma, vozes altissonantes em desertos da solidão, arautos angélicos cavalgando motos no trânsito alucinado de nossas indomesticáveis cobiças.

Feliz Natal aos que se expõem aos relâmpagos da voracidade intelectual e aos confeiteiros de montanhas, aos emperdigados senhores da incondescendência e aos que tecem em letras suas distantes nostalgias.

Feliz Natal a todos que, ao longo deste ano, dedicaram minutos de suas preciosas existências a ler as palavras que, com amor e ardor, teço em artigos e livros. O Menino Deus transborde em seus corações.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Escola pública ou particular?

A difícil decisão quando chega a crise...

O dinheiro está curto, o desemprego ronda e o padrão econômico das famílias tem sido profundamente alterado nos últimos tempos. No momento em que cortes de despesas se fazem necessários, os gastos com educação são seriamente avaliados.

Por Norma Leite Aquilino

A questão não é fácil. O sonho dos pais sempre é o de proporcionar a seus filhos o que de melhor há. No que se refere à educação, esse é um ponto indiscutível. A preocupação em oferecer ensino de qualidade é busca permanente e, muitas vezes, os sacrifícios são enormes para que o padrão seja mantido. Isso, porém, nem sempre é possível, uma vez que se vive num país em que qualidade de ensino está vinculada à escola particular. Infelizmente.
Quando os pais se vêem diante da inevitável transferência para o ensino público, medos e ansiedades afloram. Um misto de culpa e de preocupação com a realidade lida em jornais e ouvida em noticiários: violência, drogas, greves, professores mal preparados, enfim, assuntos freqüentemente associados à escola pública.

Preocupação generalizada

Hoje a grande discussão sobre qualidade de ensino, preparação dos docentes, entre outras questões, está em todos os lugares. Não se restringe à escola estadual ou municipal. Há inúmeras histórias na rede particular de ensino que fariam qualquer pai e mãe ficarem horrorizados. Nem todas as escolas pagas são ilhas de excelência, nem garantem que seus alunos fiquem distantes da dura realidade veiculada nos jornais e TV, saiba disso. Muitas possuem um custo altíssimo por belas instalações e piscinas aquecidas. Mas deixam a desejar no que se refere à formação de alunos e professores. Ensino pago necessariamente não significa ensino de qualidade.

Por isso, se a família vive o momento em que precisa rever seus padrões, é importante que avalie com racionalidade os reais benefícios que tem obtido da escola particular. A criança interessa-se pelo aprendizado? Tem conquistado espírito crítico, discernimento, autonomia? A escola dá conta de suas dificuldades? Acolhe a família como parceira? Refletir sobre esses aspectos é fazer com que a escolha seja feita em bases mais sólidas, com dados reais e pode trazer menos sofrimento na hora da decisão.

Um custo que vai além da mensalidade

Um outro fator a ser levado em conta refere-se ao círculo de amizades de seu filho. Mantê-lo numa escola particular não significa somente pagar as mensalidades. Há um padrão econômico esperado por todos e que pode trazer sofrimento à criança se não for mantido. Ele se reflete nas festinhas, nos tênis e nas roupas, no material escolar, nas viagens... Em muitos casos, há todo um contexto que, certamente, entrará em choque com o momento vivido pela família. Essas são questões difíceis e que, no dia-a-dia, refletem-se não só no bolso, mas podem confundir seu filho e criar conflitos em casa.

Colocando os pés nos chão...

Optar pela escola pública como saída para um momento difícil pode não ser tão terrível assim. Não, não se trata de dizer que é uma escolha fácil. Ela envolve alguns procedimentos importantes para que você esteja mais tranqüila e possa fazer essa passagem com maior segurança.

§ Converse abertamente com seu filho sobre a necessidade da mudança se essa for a saída encontrada. Não se inquiete com uma reação, a princípio, negativa. Ela pode não estar ligada necessariamente à escola pública. As crianças normalmente resistem, não desejam separar-se dos amigos, têm receio do novo...

§ Converse com pessoas de seu bairro que já tenham tido experiências na rede pública. Você pode ter dicas preciosas e se surpreender com algumas iniciativas...

§ Visite o maior número de escolas, estaduais e municipais, que puder.

§ Em suas visitas, exija o encontro com coordenadores. Peça-lhes informações sobre número de alunos por classe, reciclagem dos professores, como é feito o atendimento a pais e alunos com dificuldades escolares. Não tenha receio de ser chata. Ninguém está lhe dando nada de graça. Todos pagamos pela educação que é obrigação do Estado e direito de qualquer cidadão.

§ Informe-se sobre a existência de Associação de Pais e Mestres e sua atuação – sua presença pode fazer uma enorme diferença na qualidade de ensino.

§ Procure não valorizar tanto a aparência física da escola. Lembre-se, você está numa instituição pública, ainda carente de recursos. Isso não significa, necessariamente, que seus profissionais não sejam capacitados. O que está em jogo é a formação de seu filho. Inúmeras vezes a carência é substituída por criatividade e ousadia.

O papel de cada um

Para os pais, viver essa nova realidade é assumir uma nova condição – a de ser agente transformador. E sabe por quê? Porque a escola pública que aí está precisa exatamente de pessoas como você, que já viveram outra realidade e que sabem o que desejam para seus filhos. São essas as famílias que têm voz, argumentos e que podem dar uma contribuição efetiva para as mudanças. Optar por esse tipo de ensino significa mais compromisso, mais disponibilidade para acompanhar o processo e buscar, em parceria, caminhos.

Para as crianças, essa experiência pode significar olhar a realidade mais de perto, valorizar o que se tem em casa, aprender a lidar com a diversidade e com a tolerância... questões tão difíceis quando se vive num mundo voltado para as aparências e para o consumo. Não é tarefa fácil, mas você pode retirar desse novo momento, algumas lições preciosas. Lembre-se de que o lado positivo de qualquer crise é a descoberta de caminhos e pode ser uma oportunidade de fortalecimento.