sexta-feira, setembro 24, 2010

quarta-feira, setembro 22, 2010

Faculdade de Direito do Largo São Francisco - 22/09/2010

Texto inicial por Reinaldo Azevedo

Ao meio-dia, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, foi lido o Manifesto em Defesa da Democracia. 

O texto está aberto a quantos queiram endossá-lo. Depois da leitura, UM SITE ABRIGARÁ O DOCUMENTO PARA A COLETA DE NOVAS ASSINATURAS. 

Prestem atenção à lista inicial de nomes. Ela dá conta justamente dessa diversidade. Não são pessoas que pensam a mesma coisa. Num debate sobre os rumos do país, muitos ali teriam divergências severas. Mas todos têm uma coisa em comum: a certeza de que a democracia e o estado de direito são conquistas das quais o Brasil não pode abrir mão. Todos comungamos da convicção de que o Brasil precisa aprimorar, e não depredar, os mecanismos institucionais para o pleno exercício da justiça e da cidadania.

Nenhum partido é dono da sociedade civil. Nenhum partido é “gerente” da história. A nenhum governante é lícito decidir quem representa e quem não representa “a alma de nosso povo”. Elegemos governantes para que respeitem as leis democráticas e para que as aperfeiçoem ou as mudem segundo as regras que a própria democracia prevê e abriga. Tentam dar um golpe, estes sim, os que pretendem calar a divergência, na certeza de que são os monopolistas do bem, do belo e do justo.

É a defesa das instituições que reúne num mesmo documento, entre outros,  o jurista Hélio Bicudo; o líder católico e militante dos direitos humanos dom Paulo Evaristo Arns; os professores José Arthur Giannotti, Leôncio Martins Rodrigues e Marco Antônio Villa; o ex-ministro Mailson da Nóbrega; o poeta Ferreira Gullar; a atriz Rosamaria Murtinho e o ex-ministro do STF Sidnei Sanches.

Somos muitos — pessoas das mais variadas profissões, formações e mesmo ideologias — a cobrar não mais do que respeito à Constituição, às leis, às instituições e à liberdade de imprensa. Ou será que, com a truculência retórica que está se tornando costumeira,  os espadachins da reputação alheia porão em dúvida as credenciais democráticas desses homens e mulheres?

NÃO ESTAMOS CANSADOS! AO CONTRÁRIO! ESTAMOS CHEIOS DE ENERGIA PARA DEFENDER A DEMOCRACIA, O ESTADO DE DIREITO E A LIBERDADE DE IMPRENSA.

Abaixo, segue a íntegra do documento. Um bom exercício é confrontar o seu conteúdo com o manifesto que o PT e sindicalistas estão divulgando contra a liberdade de imprensa. De um lado, a civilização democrática; de outro, o flerte com a barbárie ditatorial.

Segue o texto do manifesto. Divulgue, espalhe, multiplique. Não estamos pensando no próximo outubro, mas em todos os outubros que virão.


MANIFESTO EM DEFESA DA DEMOCRACIA

Em uma democracia, nenhum dos Poderes é soberano.
Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo.

Acima dos políticos estão as instituições, pilares do regime democrático. Hoje, no Brasil, os inconformados com a democracia representativa se organizam no governo para solapar o regime democrático.

É intolerável assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais.

É inaceitável que a militância partidária tenha convertido os órgãos da administração direta, empresas estatais e fundos de pensão em centros de produção de dossiês contra adversários políticos.

É lamentável que o Presidente esconda no governo que vemos o governo que não vemos, no qual as relações de compadrio e da fisiologia, quando não escandalosamente familiares, arbitram os altos interesses do país, negando-se a qualquer controle.

É inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais nem mesmo em fingir honestidade.

É constrangedor que o Presidente da República não entenda que o seu cargo deve ser exercido em sua plenitude nas vinte e quatro horas do dia. Não há “depois do expediente” para um Chefe de Estado. É constrangedor também que ele não tenha a compostura de separar o homem de Estado do homem de partido, pondo-se a aviltar os seus adversários políticos com linguagem inaceitável, incompatível com o decoro do cargo, numa manifestação escancarada de abuso de poder político e de uso da máquina oficial em favor de uma candidatura. Ele não vê no “outro” um adversário que deve ser vencido segundo regras da Democracia , mas um inimigo que tem de ser eliminado.

É aviltante que o governo estimule e financie a ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses.

É repugnante que essa mesma máquina oficial de publicidade tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, com o fim da inflação, a democratização do crédito, a expansão da telefonia e outras transformações que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.

É um insulto à República que o Poder Legislativo seja tratado como mera extensão do Executivo, explicitando o intento de encabrestar o Senado. É um escárnio que o mesmo Presidente lamente publicamente o fato de ter de se submeter às decisões do Poder Judiciário.

Cumpre-nos, pois, combater essa visão regressiva do processo político, que supõe que o poder conquistado nas urnas ou a popularidade de um líder lhe conferem licença para rasgar a Constituição e as leis. Propomos uma firme mobilização em favor de sua preservação, repudiando a ação daqueles que hoje usam de subterfúgios para solapá-las. É preciso brecar essa marcha para o autoritarismo.

Brasileiros erguem sua voz em defesa da Constituição, das instituições e da legalidade.

Não precisamos de soberanos com pretensões paternas, mas de democratas convictos.

terça-feira, setembro 14, 2010

O que mais preocupa




O que mais preocupa não é nem o grito dos violentos,
dos corruptos, dos desonestos,
 dos sem caráter, dos sem ética.

O que mais preocupa é o silêncio dos bons.

Martin Luther King

quinta-feira, setembro 09, 2010

quarta-feira, setembro 08, 2010

Macunaíma


Por Dora Kramer
O Estado de S.Paulo

Só porque é popular uma pessoa pode escarnecer de todos, ignorar a lei, zombar da Justiça, enaltecer notórios malfeitores, afagar violentos ditadores, tomar para si a realização alheia, mentir e nunca dar um passo que não seja em proveito próprio?

Depende. Um artista não poderia, sequer ousaria fazer isso, pois a condenação da sociedade seria o começo do seu fim. Um político tampouco ousaria abrir tanto a guarda.
A menos que tivesse respaldo. Que só revelasse sua verdadeira face lentamente e ao mesmo tempo cooptasse os que poderiam repreendê-lo, tornando-os dependentes de seus projetos dos quais aos poucos se alijariam os críticos, por intimidação ou desistência.
A base de tudo seria a condescendência dos setores pensantes e falantes, consolidada por longo tempo.
Para compor a cena, oponentes tíbios, erráticos, excessivamente confiantes, covardes diante do adversário atrevido, eivados por ambições pessoais e sem direito a contar com aquele consenso benevolente que é de uso exclusivo dos representantes dos fracos, oprimidos e ignorantes.

O ambiente em que o presidente Luiz Inácio da Silva criou o personagem sem freios que faz o que bem entende e a quem tudo é permitido - abusar do poder, usar indevidamente a máquina pública, insultar, desmoralizar _ sem que ninguém se disponha ou consiga lhe pôr um paradeiro - não foi criado da noite para o dia.

Não é fruto de ato discricionário, não nasceu por geração espontânea nem se desenvolveu apenas por obra da fragilidade da oposição. É produto de uma criação coletiva.

Da tolerância de informados e bem formados que puseram atributos e instrumentos à disposição do deslumbramento, da bajulação e da opção pela indulgência. Gente que tem pudor de tudo, até de exigir que o presidente da República fale direito o idioma do País, mas não parece se importar de lidar com gente que não tem escrúpulo de nada.

Da esperteza dos arautos do atraso e dos trapaceiros da política que viram nessa aliança uma janela de oportunidade. A salvação que os tiraria do aperto no momento em que já estavam caminhando para o ostracismo. Foram todos ressuscitados e por isso são gratos.

Da ambição dos que vendem suas convicções (quando as têm) em troca de verbas do Estado, sejam sindicalistas, artistas, prefeitos ou vereadores.

Da covardia dos que se calam com medo das patrulhas.

Do despeito dos ressentidos.

Do complexo de culpa dos mal resolvidos.

Da torpeza dos oportunistas.

Da pusilanimidade dos neutros.

Da superioridade estudada dos cínicos.

Da falsa isenção dos preguiçosos.

Da preguiça dos irresponsáveis.

Lula não teria ido tão longe com a construção desse personagem que hoje assombra e indigna muitos dos que lhe faziam a corte, não fosse a permissividade geral.

Nada parece capaz de lhe impor limites. Se conseguir eleger a sucessora, vai distorcer a realidade e atuar como se presidente fosse. Se não conseguir, não deixará o próximo governo governar.

Agora, é sempre bom lembrar que só fará isso se o País deixar que faça, como deixou que se tornasse esse ser que extrapola.

Recibo. O presidente Lula resolveu reagir e há três dias rebate a oposição no caso das quebra dos sigilos fiscais para negar a existência de propósitos político-eleitorais.

Ocorre que faz isso usando exclusivamente argumentos político-eleitorais. Em nenhum momento até agora o presidente se mostrou preocupado com o fato de sabe-se lá quantas pessoas terem tido seus sigilos violados e seus dados cadastrais abertos por funcionários da Receita sabe-se lá por quê.

O presidente tampouco pareceu sensibilizado com a informação do ministro da Fazenda de que os vazamentos ocorrem a mancheias.

Esses cidadãos não receberam do presidente Lula uma palavra de alento ou garantia de que seus direitos constitucionais serão preservados.

Lula só responde a Serra, só trata do assunto na dimensão eleitoral e assim confirma que o caso é de polícia, mas também é de política.

sexta-feira, setembro 03, 2010

Crenças e crentes

Por Nelson Motta
O Estado de S.Paulo

Com 96% de aprovação popular, mais gente acredita em Lula do que em Deus. Só uns 7% dos brasileiros são ateus, segundo o IBGE. Com a margem de erro, humano, há um empate técnico entre o cara e O Cara de todos os caras. Como dizia o companheiro Bush, quem não está com ele, está contra ele.
Mas nem no IBGE se pode levar muita fé. Eu, por exemplo, não fui entrevistado por nenhum recenseador nos últimos 25 anos. Estatisticamente, não existo. Vão dizer que o IBGE é de padrão internacional, tem não sei quantos anos de serviços prestados, com absoluta credibilidade, e agora é tudo tecnodigital de última geração. Acredito. Aguardo sua visita.

Em Cuba, acredita-se piamente, sem dar um pio, que qualquer crítica ou dissidência seja considerada, e punida, como traição. Qualquer oposição estará sempre a soldo da CIA e do império: só por dinheiro alguém teria motivos para criticar a revolução. Fidel é nosso pastor e nada nos faltará, rezam eles há 50 anos. Mas falta tudo, por culpa do satânico bloqueio ianque e da campanha midiática internacional. Milhões creem nisso, são (anti)milagres da fé. Fidel acredita que Osama Bin Laden trabalhava para George Bush e que o 11 de Setembro foi uma armação dos dois.

Como Fidel, Hugo Chávez não tem adversários ou opositores - tem inimigos. O coronel não aceita qualquer forma de oposição, são todos "esquálidos", burgueses e oligarcas. É nós contra eles, é socialismo ou muerte, mas metade do país não acredita nele. Chávez, católico, acredita que Jesus Cristo era bolivariano.

O bispo Macedo tem milhões de seguidores, felizes por pagar seus dízimos. Como não são idiotas, certamente permanecem na igreja se de alguma forma a sua vida está melhorando, se a fé está funcionando. É uma religião de resultados, no livre mercado das crenças. Sem impostos.

Crescem os crentes da Igreja Lulista Brasileira, onde a fé se junta ao oportunismo, o crime pela causa não é pecado e oposição é sacrilégio. Em sua teologia, satanás é substituído pela elite e exorcizado pelos seus bispos, cada vez mais ricos e poderosos.

Para Platão, a crença é o oposto do conhecimento.

Cada um com suas armas...

quarta-feira, setembro 01, 2010

Da ideologia ao personalismo

Por Roberto da Matta
O Estado de S.Paulo

O PT foi o partido mais ideológico do Brasil. Ele se estruturava em teses socialistas, mas era também banhado por um lado social democrata que se ampliou depois que o Lula virou o "Lulinha paz e amor" e, graças a um marketing genial (a César o que é de César...), penetrou no imaginário dos segmentos elitistas, tornando-se um candidato viável. Pois, como o próprio Lula teoriza com sua conhecida sensibilidade sociológica, pobre não vota em pobre. Hoje, porém, graças ao que ele dramatiza na sua figura, pobre vota em pobre votado e admirado por seus patrões. Foi essa convergência cultural que permitiu a aceitação do operário candidato radical no operário pleno de paz e amor como presidente.

No primeiro governo, havia uma herança maldita, mas os fundamentos do sistema econômico implantado com o Plano Real prosseguiram. Depois veio o mensalão que implodiu o PT como partido, promoveu um expurgo e uma ascensão dos petistas possíveis. Agora, debaixo da batuta do único sobrevivente, o próprio Lula, o partido antes ideológico depende de uma pessoa. Lula salvou-se a si mesmo invocando, como Cristo, a traição de alguns companheiros que, no mensalão, exageraram a dose, dentro de um sistema político de resto igualmente marcado pela corrupção e antiliberal.

Há uma transformação crucial. O candidato que representava o operariado nacional e era um duríssimo opositor torna-se presidente e, neste papel, ele representa o trabalhador e o pobre. Mas é preciso não esquecer que ele próprio foi um pobre. Ele é a dramatização de si mesmo como um operário sem escolaridade e "diploma", como sempre enfatiza, do mesmo modo que provoca dizendo que tem azia quando lê. Mas como presidente de uma sociedade hierarquizada até o gargalo, ele sabe que pode dizer e fazer tudo quando se mora num palácio. Faz, então, um governo de "coalizão" e amplia sem limites as suas bases, realizando alianças nas quais os partidos e os movimentos sociais não são mais peças-chave, mas atores subordinados às personalidades e às relações sociais mais do que políticas dos seus membros e donos.

O universo da casa, das simpatias pessoais, domina a cena e começa a canibalizar o campo econômico em nome de um retorno de um "Estado forte" que servirá como instrumento de aristocratização. A coalizão compadresca começa a abalar aquilo que o poeta William Blake chamava de "moinho satânico", porque o mercado capitalista autorregulado não para diante de ninguém. Menos, é obvio, neste Brasil que se faz e desfaz de tempos em tempos.

No palco nacional, a ênfase no ideológico típica dos movimentos populares é paralisada. E os velhos coronéis da política marcada pelas teias de relações pessoais retornam ao "puder". Mas com uma diferença: agora, a esquerda oficial e a direita mais reacionária estão juntas. Formam um time de futebol e o seu técnico e principal craque é o Lula, um misto raro de atacante matador e de goleiro perfeito. No ataque, o PT atua nominalmente ao lado dos sindicalistas e dos empresários fornecedores do Estado estruturado pelo PAC. Na defesa, jogam os Sarneys, os Barbalhos, os Collors - os políticos personalistas que governavam na base do "aos inimigos a lei; aos amigos tudo!". Articulam-se assim, tendo como figura-chave um ator magistral e central - um Rei Lear da política nacional. O velho e bom personalismo que forma a espinha dorsal do nosso sistema social, como eu tenho dito na minha modesta e largamente ignorada obra sociológica, volta a englobar as regras democráticas liberais e as marcações ideológicas.

Com Lula tudo iria mudar e eu mesmo pensei que o governo do PT, como o do Brizola, no Rio, iria realmente promover uma transformação na administração pública. Mas a inércia cultural e a ausência de análise e percepção promoveram o retorno da linguagem da casa, de modo que me assusta (e diverte) ver o fruto de um partido ideológico, como o Lula, criar e impor uma candidata, usando metáforas da casa, da família e do parentesco. Dilma não vai ser apenas uma presidente; ela será a "mãe" inventada pelo Lula que, como tal, vai "cuidar" diretamente do povo e não administrar os recursos produzidos por esse povo.

Como um bloco de carnaval, demos alguns passos para a frente, mas agora ensaiamos um retorno ao ponto de partida. O que chamei de dilema brasileiro - o mal-estar entre leis que valem para todos e as obrigações pessoais que só se aplicam aos amigos - faz o seu freudiano retorno. Lula reencarna Getúlio. Mas, diferentemente de Vargas, poderia - se quisesse - ser aclamado presidente perpétuo do Brasil. Louvo-o por seu desprendimento. Pena que um craque do seu calibre, jogue contra uma oposição que joga contra si mesma e, assim, atropela e inviabiliza um liberalismo decente entre nós.

E sem oposição e uma consciência de limites do poder, vamos ter um longo campeonato no qual haverá apenas um campeão. No esporte, isso representa o fim do próprio jogo. Na vida pública, isso significa o fim da política como ação social e o início de um domínio à la Casa-Grande & Senzala: repleto de confraternizações e agregados. De vez em quando alguém leva uma chibatada, mas não por mal; recursos serão sempre esbanjados, mas o Brasil é rico. Afinal, como resistir a um personalismo que funda parte do sistema e jamais foi discutido em seus confrontos com o nosso lado liberal e igualitário?

Paciência. Só fomos ideológicos para trazer de volta um habitual personalismo que deve eleger - este, sim, é um fato jamais visto na nossa história - não uma mulher presidente, mas (como quer o Lula) a mãe do Brasil.