quinta-feira, junho 14, 2012

Quando medos limitadores transformam-se em crenças possibilitadoras


Por

Ellen,  Margarida, Maria Cristina, Norma, 
Rodrigo Massuci, Roseli, Sônia, Suziley, Thais (*)


Era uma vez um professor que tinha medo de computadores...
Ele pensava que os computadores "dominariam" o mundo,
causando um clima de caos com a falta de empregos,
 aumento do número de assaltos, pobreza, etc...
Não levava em conta o que o computador
poderia trazer de benefícios para o mundo...


Esse professor não enxergava nada à sua frente que não fosse o medo. O medo do desconhecido. O medo criado por fantasmas que pareciam muito reais. Ele buscava justificativas para pensar daquele jeito. E, caso alguém oferecesse qualquer tipo de argumentação contrária, não tinha ouvidos para ouvir, olhos para enxergar... Não, com ele não, nada feito... esse povo sempre achando que a tecnologia vai superar o que o homem faz...

Para provar que tinha razão, organizou o ENCT, o I Encontro Nacional Contra a Tecnologia. Elaborou convites, enviou, fez contatos... Na verdade, ele só fez isso porque pensava que os computadores "dominariam" o mundo, causando um clima de caos com a falta de empregos, aumento do número de assaltos, pobreza, entre tantas outras previsões pessimistas. Evidentemente que o tal encontro foi um fracasso. Fosse realizado há uns dez anos atrás...mas, naquele momento histórico, não enxergou adeptos de sua teoria. O que fazer? Não,estava tudo errado.... a máquina substituindo o homem...

Refletindo assim, não levava em conta o que o computador poderia trazer de benefícios para o mundo até que seu melhor amigo - justo ele! – contou que era um entusiasta da informatização, disse-lhe maravilhas sobre a tal máquina, sobre a Internet e sobre quanto utilizava  essa ferramenta. Seu melhor amigo? Como podia isso estar ocorrendo?

Ele lhe contou que, no computador, aperfeiçoava seu inglês, comunicando-se com pessoas de diversas partes do mundo; encontrava amigos, familiares e conhecidos distantes, o que aplacava sua solidão; informava-se sobre as últimas novidades sobre saúde e qualidade de vida, assunto que muito lhe interessava e  percebeu que em todos os lugares ele estava presente... aos domingos na Fórmula I, ajudando os pilotos e sua equipe, no consultório médico colaborando nos exames de diagnósticos, na escola interligando o conhecimento dos alunos com suas pesquisas, no supermercado, no dentista, na televisão, no vídeo game, nos filmes a que assistia no cinema e na TV.

Foi assim que, aos poucos, o medo foi substituído pela curiosidade e pela vontade de desbravar novos caminhos e superar suas limitações, transformando medos limitadores em crenças “possibilitadoras”.
Num belo dia, viu-se diante da máquina...Fugiu? Até tentou, mas... não, buscou  adaptar-se à nova realidade existente! Afinal, estava inserido no mesmo mundo de outras pessoas. Não era possível que todos estivessem equivocados!

No processo de adaptação ao mundo digital, descobriu as redes sociais e, a partir de então, a dúvida e a curiosidade passaram a ser suas companheiras. Quanto mais o professor pesquisava, mais soluções encontrava, chegando à conclusão de que a internet é um excelente ferramenta de pesquisa. No entanto, com a sede pelo saber, acabou acessando links de propagandas que prometiam cursos gratuitos e obras raras para baixar sem custo. Notou que, depois de feito o download, sua conexão ficou lenta e começaram a abrir umas telas estranhas em seu computador. Hummmm...o que seria aquilo?

O professor achou melhor consultar seu amigo que tinha mais afinidade com as tecnologias de informação e comunicação, o mesmo alertou-o sobre os vírus e a necessidade do uso adequado dos computadores. Todo cuidado era pouco! Assim como era excelente fonte de pesquisa, a internet também poderia ser alvo de programas maliciosos. Ah! Então era isso? O colega confirmou, fez uma analogia com o mundo real, alertando que no mundo virtual nos deparamos com pessoas bem intencionadas e também com pessoas que agem de má fé. Ou seja, como no mundo real, a máquina em si não é boa nem má. Depende do uso que o Homem faz dela.

Percebeu também que, como professor, tinha um longo caminho a seguir, no sentido de realizar um trabalho que fizesse com que seus alunos percebessem seu real papel diante do mundo virtual. Foi aí que ele propôs a seguinte tarefa aos seus alunos: um grupo deveria listar os aspectos positivos do computador, o outro grupo, os aspectos negativos e um terceiro grupo faria a análise e ponderação dos argumentos para chegar à conclusões...Isso mesmo, faria com que os alunos refletissem criticamente sobre os fatos!

Ele, acostumado a conviver com crianças e adolescentes, bem sabia que a "internet" poderia ser utilizada por criminosos para causar danos às outras pessoas, principalmente pela praga dos pedófilos. Assim, ele tinha a preocupação de alertar seus alunos, bem como seus pais e responsáveis, sobre a  maneira segura de "navegar pela net" e sobre a necessidade de bloqueio aos conteúdos dirigidos ao público adulto.

Agora, esse professor, sempre atualizado, não tinha mais medo de computadores, mas dos perigos que pudessem  existir diante do mau uso. Agora, esse professor tinha consciência de que o computador com a "internet" diminuiria a distância entre as pessoas, seria uma excelente fonte de pesquisa para elaboração de trabalhos e de complementação do conteúdo das aulas, e uma maneira rápida e barata de manter-se informado e atualizado.

Atento às novidades tecnológicas úteis ao aprimoramento da docência, esse professor acabou por ter certeza de que muitas outras novidades viriam para melhorar a vida de todos, bastando apenas que se tomasse alguma precaução visando à segurança. A tecnologia estava aí, em todas as áreas da vida! Experimentou a alegria da ousadia em sua caminhada vencendo “pré-conceitos” há muito arraigados dentro de si. Percebeu que, para enxergar o novo, é necessário que estejamos abertos a ele, despojados e inteiros.

(*) Grupo de estudo do curso Formação de tutores para cursos on-line, do SENAI.








segunda-feira, julho 04, 2011

A arte de ser avó



Por Rachel de Queiroz

Quarenta anos, quarenta e cinco. Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem suas alegrias, as sua compensações - todos dizem isso, embora você pessoalmente, ainda não as tenha descoberto - mas acredita.

Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade.Não de amores nem de paixão; a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos cheios de problemas, que hoje são seus filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento e prestações, você não encontra de modo algum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres - não são mais aqueles que você recorda.

E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis - nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino que se lhe é "devolvido". E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito sobre ele, ou pelo menos o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo ou decepção, se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho a certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis.

Aliás, desconfio muito de que netos são melhores que namorados, pois que as violências da mocidade produzem mais lágrimas do que enlevos. Se o Doutor Fausto fosse avô, trocaria calmamente dez Margaridas por um neto...

No entanto! Nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não importa que ela, em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe do neto. Não importa que ela hipocritamente, ensine a criança a lhe dar beijos e a lhe chamar de "vovozinha" e lhe conte que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas, nada mais. No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante nos triângulos conjugais. A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe banho, veste-o, embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.

Já a avó não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, "não ralha nunca". Deixa lambuzar de pirulito. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso dos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido, antes uma maravilhosa subversão da disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer croquetes, tomar café, mexer na louça, fazer trem com as cadeiras na sala, destruir revistas, derramar água no gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser - e até fingir que está discando o telefone. Riscar a parede com lápis dizendo que foi sem querer - e ser acreditado!

Fazer má-criação aos gritos e em vez de apanhar ir para os braços do avô, e lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação moderna...

Sabe-se que, no reino dos céus, o cristão defunto desfruta os mais requintados prazeres da alma. Porém não estarão muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o seu neto, numa manhã de sol. E olhe que aqui embaixo você ainda tem o direito de sentir orgulho, que aos bem-aventurados será defeso. Meu Deus, o olhar das outras avós com seus filhotes magricelas ou obesos, a morrerem de inveja do seu maravilhoso neto!

E quando você vai embalar o neto e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz "Vó", seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.

E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a mãe castiga, e ele olha para você, sabendo que, se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade.

Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menino - involuntariamente! - bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beicinho pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque "ninguém" se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague.

sexta-feira, março 04, 2011

Mas nem o CARNAVAL escapa!

Por Nelson Motta
O Estado de S.Paulo

Como seu próprio nome antecipava, o bloco carnavalesco "Que merda é essa?", usando camisetas com Monteiro Lobato abraçado a uma mulata, enfrentou protestos irados de militantes que denunciaram o escritor por racismo contra Tia Nastácia e recomendaram ao Ministério da Educação o seu banimento das escolas públicas.

Com o avanço do politicamente correto, "Índio quer apito" será um dos próximos alvos, pela forma pejorativa de se referir aos nossos silvícolas, os verdadeiros donos da terra brasileira, enganados e explorados pelos brancos.

Por seu desrespeito à diversidade sexual e sua homofobia latente, Cabeleira do Zezé não deverá mais ser cantada nas ruas e em bailes, por estimular preconceitos contra homossexuais. Nem Maria Sapatão, a correspondente feminina da violência homofóbica contra o Zezé ("Corta o cabelo dele!" ). Além da ofensa ao profeta Maomé, ao compará-lo a um gay cabeludo. Por muito menos Salman Rushdie teve de passar anos escondido da fúria islâmica.

Precursor do politicamente correto, o fundamentalismo islâmico exigirá a proibição de Alá-Lá-Ô por usar com desrespeito o Nome Supremo em festas devassas e ofender o Islã. Um aiatolá dos Emirados Sáderes pode até emitir uma fatwa condenando os autores da blasfêmia à morte.

Pelo uso do termo pejorativo e racista "crioulo" não escaparão da condenação nem os ilustres afro-brasileiros Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Nelson Sargento, Anescarzinho e Jair do Cavaquinho, criadores do clássico Quatro Crioulos, em 1965. Além da palavra maldita, a música diz que eles ocupam boquinhas públicas, em plena ditadura:

"São quatro crioulos inteligentes / rapazes muito decentes / fazendo inveja a muita gente / muito bem empregados numa secretaria ?"

O Samba do Crioulo Doido, de Sérgio Porto, é pior: por sugerir que a burrice e a ignorância seriam exclusivas dos negros e associá-las ao mundo do samba. Puro preconceito: a estupidez não escolhe cor e também abunda no rock, na política e no esporte. E cada vez mais nos meios acadêmicos racialistas e politicamente corretos.

Bom carnaval multicultural!

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Para Viver Um Grande Amor

Por Vinícius de Moraes




Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.
Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.

segunda-feira, dezembro 13, 2010

Eles não eram muuuiiito elegantes? Bons tempos...coisa finíssima!

Coisas que faremos juntos


Por Marli Gonçalves



Esta é uma Mensagem de Natal que,
 como recado em garrafa atirada ao mar,
espera encontrar o seu endereço.
E que seja recolhida e acolhida,
ou novamente distribuída
para outros corações e mentes.
São desejos.

 
Que as águas límpidas e aquela sensação de frescor, de banho tomado, de mergulho no mar contra ziquiziras, e uma brisa suave nos acompanhe hoje, amanhã e sempre.
Que nosso coração se fortaleça, e nos mantenha vivos como regentes harmoniosos de nossos destinos. Que nossos olhos enxerguem longe - tanto as injustiças, como que consigam ver quaisquer ameaças veladas tramadas contra nós ou nossos amores. Que nossas mãos sejam estendidas aos que as merecem, e que nossos pés toquem o solo reproduzindo vida e criação em sementes carregadas nas solas dos nossos sapatos. De nossa boca, que saiam respostas e soluções; ou perguntas inquietantes. Que se rompa o medo que fez o silêncio muitas vezes comandar os arrependimentos que carregamos.

Que o peso da balança seja mais leve, e que a fita métrica meça e mostre sua altivez diante do mundo. Que você tenha energia e equilíbrio para enfrentar percalços e perdas, tomando-as como ganhos e sabedoria, ou desígnios. Que seus sonhos sejam sempre confortantes e restauradores, mesmo que viva só com seu travesseiro já roto, mas sabedor calado de segredos, dúvidas, angústias, pecados, fraquezas e cansaços. Que você viva bem com você, com o espelho - do carro, do elevador, do banheiro, do hall de entrada, do reflexo do vidro, do copo de água bebido, da poça de chuva. Tal qual Narciso, tenha a honra de bem se mirar. E se ainda não puder fazê-lo, que consiga mudar a tempo para o ano que vem. Mas que consiga se ver.

Que uma seiva como a da alfazema, a luz do Sol, a beleza das flores e o canto dos pássaros, o amor bem feito, sejam os seus vizinhos, convidados a entrar todos os dias em sua morada, por menor que seja o espaço dela, ou sendo apenas o seu próprio corpo, sem teto, sem terra, sem lenço, sem documento. Anárquico, mas com as janelas abertas. Para que nenhuma clausura se justifique, a não ser na sua renovação, na meditação, e na procura por trilhas.

Que você seja um ser muito amado. E odeie menos. Que perdoe mais, e que expire suas culpas antes que elas cresçam. E que todos os dias receba ao menos um olhar límpido da atenção de uma criança, que também pode estar em espírito dentro de um velho, do maltrapilho, do passante. Nos animais que parecem tudo saber e sentir quando nos pedem afagos, quando se esfregam em nossas pernas, quando emitem sons para os quais ainda não há tradução formal, mas você sabe.

Que consiga ultrapassar as barreiras impostas pela moral reinante de alguém a quem não se autorizou, e respeite todos os outros sexos, todas as outras manias, todas as outras crenças e não-crenças, todas as outras estéticas, culturas, hábitos. Mas jamais aceite a imposição de qualquer delas, se delas depender para ser aceito.

Não há tanta poesia no mundo, bem sei. E isso não mudará quando o calendário passar por qualquer das estações, sejam as do mundo, ou as do rádio que irradiará a realidade junto com sucessos musicais. Certamente que não poderá comprar tudo o que deseja, e pode estar certo que dia após dia estará mesmo envelhecendo de alguma forma - como o vinho, como a madeira, ou como o alimento vendido nas prateleiras. Mas há a reciclagem. De nossas cinzas e de nossas ideias. Seremos, sim, substituídos. Só podemos rogar que sobrevivamos na memória dos que ficam, e enquanto ficam, e que assim a gente fique sempre.

Você já viu: começaram a chegar mensagens de Natal. Boas Festas. Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade. Que tudo se realize no ano que vai chegar. Sempre gerais e quase utópicas e iguais, impressas, com seus envelopes, alguns até garbosos. Por debaixo da porta, e não pela chaminé, entram os Papais Noéis, as guirlandas, caixinhas e lacinhos, sinos, renas e trenós. A tradição volta e se espalha pelas cidades, em luzes, nos enfeites nas janelas, alguns pelo amor. Outros, pelo comércio. Pouca ousadia para não cometer pecados numa época que todo mundo fica bonzinho, manso, solidário, principalmente com as pobres criancinhas pobres.

Como se fossem dois mundos incutidos religiosamente nas cabeças desde a infância, há a procura pela família, os agrados dos presentes, lembrancinhas e dinheiro em listas, as cestas de Natal, as caixas de espumantes, os panetones. O vai-e-vem, aqui, vira a forma metódica de ano após ano afirmar os caminhos pelos quais trilhou nos últimos meses. Uma espécie de revisão, nas barbas do tal Noel.

Não se impressione com isso agora. Você pode todos os dias fazer um Natal interior. Que os anos sejam como os dias. Para a gente nascer, viver e morrer felizes, no que ainda der para salvar.

São Paulo, 2010-2011, de um mundo todo girando, girando, girando.
Todos querendo uma resolução.
Uma revolução.

Marli Gonçalves é jornalista.
Publicado originalmente em http://www.brickmann.com.br/
 e no http://marligo. wordpress.com///

sexta-feira, dezembro 10, 2010

Uma preciosidade histórica

O vídeo não tem preço!
Chico Buarque e Donga, junto com outros compositores maravilhosos, cantando aquele que é conhecido como o primeiro samba brasileiro, a música "Pelo telefone"!

Clique abaixo e aprecie!
Um verdadeiro documento da  história da MPB!

terça-feira, novembro 16, 2010

Sim, eu tenho preconceito

Por Leandro Narloch

Artigo publicado em A Folha de S. Paulo, em 11/11/2010


Logo depois de anunciada a vitória de Dilma Rousseff, pingaram comentários preconceituosos na internet contra os nordestinos, grupo que garantiu a vitória da candidata petista nas eleições.
A devida reação veio no dia seguinte: a expressão “orgulho de ser nordestino” passou a segunda-feira como uma das mais escritas no microblog Twitter.

O racismo das primeiras mensagens é, obviamente, estúpido e reprovável. Não se pode dizer o mesmo de outro tipo de preconceito ─ aquele relacionado não à origem ou aos traços físicos dos cidadãos, mas ao modo como as pessoas pensam e votam. Nesse caso, eu preciso admitir: sim, eu tenho preconceito.

Eu tenho preconceito contra os cidadãos que nem sequer sabiam, dois meses antes da eleição, quem eram os candidatos a presidente. No fim de julho, antes de o horário eleitoral começar, as pesquisas espontâneas (aquela em que o entrevistador não mostra o nome dos candidatos) tinham percentual de acerto de 45%. Os outros 55% não sabiam dizer o nome dos concorrentes. Isso depois de jornais e canais de TV divulgarem diariamente a agenda dos presidenciáveis.

É interessante imaginar a postura desse cidadão diante dos entrevistadores. Vem à mente uma espécie de Homer Simpson verde e amarelo, soltando monossílabos enquanto coça a barriga: “Eu… hum… não sei… hum… o que você… hum… está falando”. Foi gente assim, de todas as regiões do país, que decidiu a eleição.

Tampouco simpatizo com quem tem graves deficiências educacionais e se mostra contente com isso e apto a decidir os rumos do país.
São sujeitos que não se dão conta de contradições básicas de raciocínio: são a favor do corte de impostos e do aumento dos gastos do Estado; reprovam o aborto, mas acham que as mulheres que tentam interromper a gravidez não devem ser presas; são contra a privatização, mas não largam o terceiro celular dos últimos dois anos. “Olha, hum… tem até câmera!”.

Para gente assim, a vergonha é uma característica redentora; o orgulho é patético. Abster-se do voto, como fizeram cerca de 20% de brasileiros, é, nesse caso, um requisito ético. Também seria ótimo não precisar conviver com os 30% de eleitores que, segundo o Datafolha, não se lembravam, duas semanas depois da eleição, em quem tinham votado para deputado.

Não estou disposto a adotar uma postura relativista e entender esses indivíduos. Prefiro discriminá-los. Eu tenho preconceito contra quem adere ao “rouba, mas faz”, sejam esses feitos grandes obras urbanas ou conquistas econômicas. Contra quem se vale de um marketing da pobreza e culpa os outros (geralmente as potências mundiais, os “coronéis”, os grandes empresários) por seus problemas. Como é preciso conviver com opiniões diferentes, eu faço um tremendo esforço para não prejulgar quem ainda defende Cuba e acredita em mitos marxistas que tornariam possível a existência de um “candidato dos pobres” contra um “candidato dos ricos”.

Afinal, se há alguma receita testada e aprovada contra a pobreza, uma feliz receita que salvou milhões de pessoas da miséria nas últimas décadas, é aquela que considera a melhor ajuda aos pobres a atitude de facilitar a vida dos criadores de riqueza.

É o caso do Chile e de Cingapura, onde a abertura da economia e a extinção de taxas e impostos fizeram bem tanto aos ricos quanto aos pobres. Não é o caso da Venezuela e da Bolívia.

Por fim, eu nutro um declarado e saboroso preconceito contra quem insiste em pregar o orgulho de sua origem. Uma das atitudes mais nobres que alguém pode tomar é negar suas próprias raízes e reavaliá-las com equilíbrio, percebendo o que há nelas de louvável e perverso. Quem precisa de raiz é árvore.

sexta-feira, novembro 12, 2010

O cravo não brigou com a rosa


Por Luiz Antonio Simas


Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto. Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais O cravo brigou com a rosa. A explicação da professora do filho de um camarada foi comovente: a briga entre o cravo - o homem - e a rosa - a mulher - estimula a violência entre os casais. Na nova letra "o cravo encontrou a rosa/ debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa ficou encantada".

Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha. Será que esses doidos sabem que O cravo brigou com a rosa faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas recolhidos no folclore brasileiro?
É Villa Lobos, cacete!

Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. Na versão da minha infância o negócio era o seguinte: "Samba Lelê tá doente/ Tá com a cabeça quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas". A palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê. A tia do maternal agora ensina assim: Samba Lelê tá doente/ Com uma febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar.

Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca. Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo. Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.

Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichinhos. Quem entra na roda dança, nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados para se casar com um. Sete namorados é coisa de menina fácil. Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não despertar na garotada o sentido da desigualdade social entre os homens.

Dia desses alguém [não me lembro exatamente quem se saiu com essa e não procurei a referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda] foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado. Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado. Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil novecentos e setenta e poucos, que algum filho estava militando na causa da preservação do mico leão dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha louca, diria o velho.

Vivemos tempos de não me toques que eu magoo. Quer dizer que ninguém mais pode usar a expressão coisa de viado ? Que me desculpem os paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice. O politicamente correto é a sepultura do bom humor, da criatividade, da boa sacanagem. A expressão coisa de viado não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a bicha alguma.

Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de roda-pé ou leão de chácara de baile infantil - de deficiente vertical . O crioulo - vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser chamado de afrodescendente. O branquelo - o famoso branco azedo ou Omo total - é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente. A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno - é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade. O gordo - outrora conhecido como rolha de poço, chupeta do Vesúvio, Orca, baleia assassina e bujão - é o cidadão que está fora do peso ideal. O magricela não pode ser chamado de morto de fome, pau de virar tripa e Olívia Palito. O careca não é mais o aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha.

Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho. Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais... Não dá. O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.

O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e 2014, disciplinar as manifestações das torcidas de futebol. Ao invés de mandar o juiz pra putaqueopariu e o centroavante pereba tomar (...), cantaremos nas arquibancadas o allegro da Nona Sinfonia de Beethoven, entremeado pelo coro de Jesus, alegria dos homens, do velho Bach.

Falei em velho Bach e me lembrei de outra. A velhice não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé na cova, aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral, o popular tá mais pra lá do que pra cá, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a "melhor idade".

Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde. Defuntos? Não. Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do pé junto.

quinta-feira, novembro 11, 2010

E os alunos?


O Enem de 2010 deveria ser o "e nem".
E nem uma justificativa convincente até agora aos alunos.
E nem uma prova devidamente planejada.
E nem um pingo de respeito com os que estudaram.
E nem mesmo um pedido formal de desculpas do MEC.”
Flávio Guimarães de Luca,
em e-mail para o 'Painel do Leitor' da Folha de S. Paulo


quinta-feira, outubro 21, 2010

Eu prometo

Por Marli Gonçalves

A eleição presidencial está na boca do povo. Nem sei como finalmente aquele torpor do primeiro turno passou. Vemos e ouvimos as pessoas conversando nas ruas, nas mesas dos bares, na internet, trocando ideias, brigando, querendo saber que bicho vai dar. Mas ainda não ouvi nenhum dos candidatos dizendo que registrou no cartório as suas promessas.
Assim, por favor, candidatos, peguem a caneta e assinem aqui, uma espécie de plataforma básica, como um documento e compromisso em nome da população brasileira. Para acalmar todos os corações.

Eu prometo, antes de mais nada, voltar minha atenção não só para mim, ou meu grupo político, mas a toda a população e suas necessidades básicas há muito relegadas. As questões principais voltam a ser saneamento básico, educação, alimentação, saúde, habitação, transportes, lazer e qualidade de vida.

Eu prometo buscar o desenvolvimento por meio de ações que garantam condições dignas de sobrevivência aos homens, mulheres e crianças deste país. Não quero mais vê-los remexendo latas de lixo nas ruas, nem jogados como sacos descartáveis nas calçadas. Não quero ter medo de me aproximar de crianças, julgando que elas poderão estar armadas ou com caco de telha ou com caco de vidro. Ou loucas paranoicas cheirando colas dos saltos e solas que as chutam. Não quero vê-las fechadas em caixões de madeira de tapumes, nem em valas, mortas por inanição e subdesenvolvimento. Não quero que elas mal cheguem de um lado e desencarnem de outro, numa breve passagem pelo tempo. Não quero vê-las tristes e chorando de fome e barrigas d’água cheia de vermes - nem quebradas pelo crack nem com as mãos cortadas de trabalho, que talvez pensem ser um passo para o brinquedo que nunca alcançam em seus trapiches. Não quero ver seus corpos mirrados sendo violentados.

Eu prometo cuidar de todos os tipos de cabeça do país. As cabeças chatas do Nordeste. Dos cabelos louros do Sul. As de todos os tipos do Sudeste. E a dos caboclos do Norte, com pena ou sem pena, caciques de suas aldeias ainda distantes. Das cabeças pensantes. Das cabeças modernas, coloridas. Das cabeças montadas em corpos de homens ou mulheres que querem ser ou homens ou mulheres, sem ter a parte de baixo para mostrar. Das cabeças brancas, grisalhas, de rostos enrugados e corpos alquebrados pela labuta, pela vida vivida nos limites. Eu prometo cuidar dos velhos quando mais eles precisam.

Eu prometo cuidar dos recursos naturais do país enquanto ainda é tempo, dispensando os discursos que, vazios de preservacionismo e repletos de interesses escusos, apenas impedem que o desenvolvimento e o progresso sejam de todos. Ao mesmo tempo, lutarei para que nossas belezas tropicais sejam exemplo para o mundo, continuem a oxigenar o ar e proteger as camadas da Terra das inclemências da natureza, que nos golpeia em lances-surpresa que buscarei prever melhor. E que nossos oceanos e rios possam ser navegados como dantes. E que nossas estradas façam o vaivém, sem tantas mortes.

Eu prometo que saberei perceber o que é qualidade de vida em cada canto dessa pátria, tão multifacetada, tão eclética, urbana e rural. Que saberei auxiliar na reorganização das grandes cidades, que abrigam e abrigaram os refugiados de longe, no êxodo de quem busca um local para morar, viver e morrer.
Eu prometo que me guiarei pelo bom senso e pelo sentido de liberdade mais amplo, preservando a enorme cultura e capacidade criativa do povo, acima de religiões, cores, raças, credos, cruzes, terreiros, templos, mesquitas e catedrais.

Eu prometo deixar nascer quem puder e quiser nascer, de quem puder parir e educar. E evitar que morram os que não estão na hora, dando-lhes a garantia necessária e medicamentos, os meios para que seus dias não sejam tormentos, e que encontrem em si próprios a razão de tudo.

Eu prometo buscar compreender tudo o que não sou eu, ou igual a mim, e respeitar ao próximo que me respeite e que siga as leis da nossa Constituição que poderei rever, sim, mas enxugando-a e tornando-a finalmente democrática e exequível. Não mudarei as regras e as placas do caminho.

Eu prometo respeitar os Poderes da República, como se fosse monarca com a sensatez dos contos de fadas, com destemor, amor, solene para quem o merecer. Insolente contra qualquer um que nos ultrajar aqui ou acolá de nosso continente. Qualquer tentativa de desestabilizar a alegria, a liberdade, os direitos e deveres, a paz e harmonia, será rechaçada firmemente. Porque assim deve ser. Tentarei estar sempre alinhado ao lado dos líderes, contra os ditadores, ainda que estes se mostrem camuflados. Escutarei os clamores das ruas.

Eu prometo atenção e sempre que possível prestigiar e apoiar o trabalho dos cientistas e intelectuais, mantendo-os entre nós. Assim como prometo não considerar o esporte, nem em Copa, nem em Olimpíadas, como arma populista, mas como o avanço de nossos guerreiros e marcas, orgulhos de nossas conquistas que serão muitas, em todos os campos da ciência, do futebol, nas raias das piscinas, e nas passarelas que desfilarão os tecidos das roupas do futuro, vindos da agricultura, que também alimentará grão a grão todos os seres vivos, que prometo respeitar, incluindo os cães e gatos, toda a flora e toda a fauna, todos os troncos que puderem ser usados de uma célula e os transplantes que garantirão a continuidade da vida.

Enfim, eu prometo proteger os seus como se fossem meus filhos, membros de minha família, dando-lhes um chão firme para pisar, ensinando a pescar e a entender que os efeitos de ação e reação serão sempre compatíveis. Que somos nós que fazemos a legitimidade das leis, da ordem social.

Eu prometo fazer do Brasil a terra sempre prometida e nunca entregue, para que os mais modernos satélites do mundo possam acompanhar seu crescimento sustentado, e que esse seja um exemplo. Eu prometo meditar bem antes de qualquer decisão.

Eu não só prometo, como farei cumprir o exposto acima porque é o que todos nós queremos.

Atesto e dou a fé, a minha fé e a de cada um que poderá participar.


Brasil ___________________________________________, 2010

Marli Gonçalves é jornalista.

domingo, outubro 17, 2010

Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)

Por Thiago de Mello

Artigo I

Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II

Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV

Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V

Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII

Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII

Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX

Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X

Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI

Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII

Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII

Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final

Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.

sexta-feira, outubro 15, 2010

Refletindo sobre o ato de aprender


Por Paulo Freire

Aprender não é acumular certezas
Nem estar fechado em respostas
Aprender é incorporar a dúvida
E estar aberto a múltiplos encontros
Aprender não é dar por consumada uma busca
Aprender não é ter aprendido
Aprender não é nunca um verbo do passado
Aprender não é um ato findo
Aprender é um exercício constante de renovação
Aprender é sentir-se humildemente sabedor de seus limites,
 mas com a coragem de não recuar
diante dos desafios
Aprender é debruçar-se com curiosidade sobre a realidade
É reinventá-la com soltura dentro de si
Aprender é conceder lugar a tudo e a todos 
E recriar o próprio espaço
Aprender é reconhecer em si e nos outros o direito de ser dentro de inevitáveis repetições
porque aprender é caminhar com seus pés um caminho já traçado
É descobrir de repente uma pequena flor inesperada
É aprender também novos rumos onde parecia morrer a esperança
Aprender é construir e reconstruir pacientemente
Uma obra que não será definitiva porque o humano é transitório
Aprender não é conquistar nem apoderar-se mas peregrinar
Aprender é estar sempre caminhando, não é reter mas comungar.
Tem que ser um ato de amor para não
ser um ato vazio.

sexta-feira, outubro 08, 2010

O Semeador de estrelas


Meu querido amigo Renato enviou...e eu não resisti!

O Semeador de Estrelas é uma estátua localizada em Kaunas, Lituânia.   

Durante o dia passa despercebida.



Mas, quando a noite chega, a estátua justifica seu nome...




Que possamos ver sempre além daquilo
que está diante de nossos olhos, hoje e sempre.

Obrigada, caro amigo Renato!


sexta-feira, setembro 24, 2010

quarta-feira, setembro 22, 2010

Faculdade de Direito do Largo São Francisco - 22/09/2010

Texto inicial por Reinaldo Azevedo

Ao meio-dia, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, foi lido o Manifesto em Defesa da Democracia. 

O texto está aberto a quantos queiram endossá-lo. Depois da leitura, UM SITE ABRIGARÁ O DOCUMENTO PARA A COLETA DE NOVAS ASSINATURAS. 

Prestem atenção à lista inicial de nomes. Ela dá conta justamente dessa diversidade. Não são pessoas que pensam a mesma coisa. Num debate sobre os rumos do país, muitos ali teriam divergências severas. Mas todos têm uma coisa em comum: a certeza de que a democracia e o estado de direito são conquistas das quais o Brasil não pode abrir mão. Todos comungamos da convicção de que o Brasil precisa aprimorar, e não depredar, os mecanismos institucionais para o pleno exercício da justiça e da cidadania.

Nenhum partido é dono da sociedade civil. Nenhum partido é “gerente” da história. A nenhum governante é lícito decidir quem representa e quem não representa “a alma de nosso povo”. Elegemos governantes para que respeitem as leis democráticas e para que as aperfeiçoem ou as mudem segundo as regras que a própria democracia prevê e abriga. Tentam dar um golpe, estes sim, os que pretendem calar a divergência, na certeza de que são os monopolistas do bem, do belo e do justo.

É a defesa das instituições que reúne num mesmo documento, entre outros,  o jurista Hélio Bicudo; o líder católico e militante dos direitos humanos dom Paulo Evaristo Arns; os professores José Arthur Giannotti, Leôncio Martins Rodrigues e Marco Antônio Villa; o ex-ministro Mailson da Nóbrega; o poeta Ferreira Gullar; a atriz Rosamaria Murtinho e o ex-ministro do STF Sidnei Sanches.

Somos muitos — pessoas das mais variadas profissões, formações e mesmo ideologias — a cobrar não mais do que respeito à Constituição, às leis, às instituições e à liberdade de imprensa. Ou será que, com a truculência retórica que está se tornando costumeira,  os espadachins da reputação alheia porão em dúvida as credenciais democráticas desses homens e mulheres?

NÃO ESTAMOS CANSADOS! AO CONTRÁRIO! ESTAMOS CHEIOS DE ENERGIA PARA DEFENDER A DEMOCRACIA, O ESTADO DE DIREITO E A LIBERDADE DE IMPRENSA.

Abaixo, segue a íntegra do documento. Um bom exercício é confrontar o seu conteúdo com o manifesto que o PT e sindicalistas estão divulgando contra a liberdade de imprensa. De um lado, a civilização democrática; de outro, o flerte com a barbárie ditatorial.

Segue o texto do manifesto. Divulgue, espalhe, multiplique. Não estamos pensando no próximo outubro, mas em todos os outubros que virão.


MANIFESTO EM DEFESA DA DEMOCRACIA

Em uma democracia, nenhum dos Poderes é soberano.
Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo.

Acima dos políticos estão as instituições, pilares do regime democrático. Hoje, no Brasil, os inconformados com a democracia representativa se organizam no governo para solapar o regime democrático.

É intolerável assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais.

É inaceitável que a militância partidária tenha convertido os órgãos da administração direta, empresas estatais e fundos de pensão em centros de produção de dossiês contra adversários políticos.

É lamentável que o Presidente esconda no governo que vemos o governo que não vemos, no qual as relações de compadrio e da fisiologia, quando não escandalosamente familiares, arbitram os altos interesses do país, negando-se a qualquer controle.

É inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais nem mesmo em fingir honestidade.

É constrangedor que o Presidente da República não entenda que o seu cargo deve ser exercido em sua plenitude nas vinte e quatro horas do dia. Não há “depois do expediente” para um Chefe de Estado. É constrangedor também que ele não tenha a compostura de separar o homem de Estado do homem de partido, pondo-se a aviltar os seus adversários políticos com linguagem inaceitável, incompatível com o decoro do cargo, numa manifestação escancarada de abuso de poder político e de uso da máquina oficial em favor de uma candidatura. Ele não vê no “outro” um adversário que deve ser vencido segundo regras da Democracia , mas um inimigo que tem de ser eliminado.

É aviltante que o governo estimule e financie a ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses.

É repugnante que essa mesma máquina oficial de publicidade tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, com o fim da inflação, a democratização do crédito, a expansão da telefonia e outras transformações que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.

É um insulto à República que o Poder Legislativo seja tratado como mera extensão do Executivo, explicitando o intento de encabrestar o Senado. É um escárnio que o mesmo Presidente lamente publicamente o fato de ter de se submeter às decisões do Poder Judiciário.

Cumpre-nos, pois, combater essa visão regressiva do processo político, que supõe que o poder conquistado nas urnas ou a popularidade de um líder lhe conferem licença para rasgar a Constituição e as leis. Propomos uma firme mobilização em favor de sua preservação, repudiando a ação daqueles que hoje usam de subterfúgios para solapá-las. É preciso brecar essa marcha para o autoritarismo.

Brasileiros erguem sua voz em defesa da Constituição, das instituições e da legalidade.

Não precisamos de soberanos com pretensões paternas, mas de democratas convictos.

terça-feira, setembro 14, 2010

O que mais preocupa




O que mais preocupa não é nem o grito dos violentos,
dos corruptos, dos desonestos,
 dos sem caráter, dos sem ética.

O que mais preocupa é o silêncio dos bons.

Martin Luther King

quinta-feira, setembro 09, 2010

quarta-feira, setembro 08, 2010

Macunaíma


Por Dora Kramer
O Estado de S.Paulo

Só porque é popular uma pessoa pode escarnecer de todos, ignorar a lei, zombar da Justiça, enaltecer notórios malfeitores, afagar violentos ditadores, tomar para si a realização alheia, mentir e nunca dar um passo que não seja em proveito próprio?

Depende. Um artista não poderia, sequer ousaria fazer isso, pois a condenação da sociedade seria o começo do seu fim. Um político tampouco ousaria abrir tanto a guarda.
A menos que tivesse respaldo. Que só revelasse sua verdadeira face lentamente e ao mesmo tempo cooptasse os que poderiam repreendê-lo, tornando-os dependentes de seus projetos dos quais aos poucos se alijariam os críticos, por intimidação ou desistência.
A base de tudo seria a condescendência dos setores pensantes e falantes, consolidada por longo tempo.
Para compor a cena, oponentes tíbios, erráticos, excessivamente confiantes, covardes diante do adversário atrevido, eivados por ambições pessoais e sem direito a contar com aquele consenso benevolente que é de uso exclusivo dos representantes dos fracos, oprimidos e ignorantes.

O ambiente em que o presidente Luiz Inácio da Silva criou o personagem sem freios que faz o que bem entende e a quem tudo é permitido - abusar do poder, usar indevidamente a máquina pública, insultar, desmoralizar _ sem que ninguém se disponha ou consiga lhe pôr um paradeiro - não foi criado da noite para o dia.

Não é fruto de ato discricionário, não nasceu por geração espontânea nem se desenvolveu apenas por obra da fragilidade da oposição. É produto de uma criação coletiva.

Da tolerância de informados e bem formados que puseram atributos e instrumentos à disposição do deslumbramento, da bajulação e da opção pela indulgência. Gente que tem pudor de tudo, até de exigir que o presidente da República fale direito o idioma do País, mas não parece se importar de lidar com gente que não tem escrúpulo de nada.

Da esperteza dos arautos do atraso e dos trapaceiros da política que viram nessa aliança uma janela de oportunidade. A salvação que os tiraria do aperto no momento em que já estavam caminhando para o ostracismo. Foram todos ressuscitados e por isso são gratos.

Da ambição dos que vendem suas convicções (quando as têm) em troca de verbas do Estado, sejam sindicalistas, artistas, prefeitos ou vereadores.

Da covardia dos que se calam com medo das patrulhas.

Do despeito dos ressentidos.

Do complexo de culpa dos mal resolvidos.

Da torpeza dos oportunistas.

Da pusilanimidade dos neutros.

Da superioridade estudada dos cínicos.

Da falsa isenção dos preguiçosos.

Da preguiça dos irresponsáveis.

Lula não teria ido tão longe com a construção desse personagem que hoje assombra e indigna muitos dos que lhe faziam a corte, não fosse a permissividade geral.

Nada parece capaz de lhe impor limites. Se conseguir eleger a sucessora, vai distorcer a realidade e atuar como se presidente fosse. Se não conseguir, não deixará o próximo governo governar.

Agora, é sempre bom lembrar que só fará isso se o País deixar que faça, como deixou que se tornasse esse ser que extrapola.

Recibo. O presidente Lula resolveu reagir e há três dias rebate a oposição no caso das quebra dos sigilos fiscais para negar a existência de propósitos político-eleitorais.

Ocorre que faz isso usando exclusivamente argumentos político-eleitorais. Em nenhum momento até agora o presidente se mostrou preocupado com o fato de sabe-se lá quantas pessoas terem tido seus sigilos violados e seus dados cadastrais abertos por funcionários da Receita sabe-se lá por quê.

O presidente tampouco pareceu sensibilizado com a informação do ministro da Fazenda de que os vazamentos ocorrem a mancheias.

Esses cidadãos não receberam do presidente Lula uma palavra de alento ou garantia de que seus direitos constitucionais serão preservados.

Lula só responde a Serra, só trata do assunto na dimensão eleitoral e assim confirma que o caso é de polícia, mas também é de política.

sexta-feira, setembro 03, 2010

Crenças e crentes

Por Nelson Motta
O Estado de S.Paulo

Com 96% de aprovação popular, mais gente acredita em Lula do que em Deus. Só uns 7% dos brasileiros são ateus, segundo o IBGE. Com a margem de erro, humano, há um empate técnico entre o cara e O Cara de todos os caras. Como dizia o companheiro Bush, quem não está com ele, está contra ele.
Mas nem no IBGE se pode levar muita fé. Eu, por exemplo, não fui entrevistado por nenhum recenseador nos últimos 25 anos. Estatisticamente, não existo. Vão dizer que o IBGE é de padrão internacional, tem não sei quantos anos de serviços prestados, com absoluta credibilidade, e agora é tudo tecnodigital de última geração. Acredito. Aguardo sua visita.

Em Cuba, acredita-se piamente, sem dar um pio, que qualquer crítica ou dissidência seja considerada, e punida, como traição. Qualquer oposição estará sempre a soldo da CIA e do império: só por dinheiro alguém teria motivos para criticar a revolução. Fidel é nosso pastor e nada nos faltará, rezam eles há 50 anos. Mas falta tudo, por culpa do satânico bloqueio ianque e da campanha midiática internacional. Milhões creem nisso, são (anti)milagres da fé. Fidel acredita que Osama Bin Laden trabalhava para George Bush e que o 11 de Setembro foi uma armação dos dois.

Como Fidel, Hugo Chávez não tem adversários ou opositores - tem inimigos. O coronel não aceita qualquer forma de oposição, são todos "esquálidos", burgueses e oligarcas. É nós contra eles, é socialismo ou muerte, mas metade do país não acredita nele. Chávez, católico, acredita que Jesus Cristo era bolivariano.

O bispo Macedo tem milhões de seguidores, felizes por pagar seus dízimos. Como não são idiotas, certamente permanecem na igreja se de alguma forma a sua vida está melhorando, se a fé está funcionando. É uma religião de resultados, no livre mercado das crenças. Sem impostos.

Crescem os crentes da Igreja Lulista Brasileira, onde a fé se junta ao oportunismo, o crime pela causa não é pecado e oposição é sacrilégio. Em sua teologia, satanás é substituído pela elite e exorcizado pelos seus bispos, cada vez mais ricos e poderosos.

Para Platão, a crença é o oposto do conhecimento.